Banquete 182d-185c: Considerações morais
Aqui porém, muito mais bela que estas é a norma que se instituiu e, como eu disse, não é fácil de entender. A quem, com efeito, tenha considerado que se diz ser mais belo amar claramente que às ocultas, e sobretudo os mais nobres e os melhores, embora mais feios que outros; que por outro lado o encorajamento dado por todos aos amantes é extraordinário e não como se estivesse a fazer algum ato feio, e se fez ele uma conquista parece belo o seu ato, se não, parece feio; e ainda, que em sua tentativa de conquista deu a lei ao amante a possibilidade de ser louvado na prática de atos extravagantes, os quais se alguém ousasse cometer em vista de qualquer outro objetivo e procurando fazer qualquer outra coisa fora isso, colheria as maiores censuras da filosofia -— pois se, querendo de uma pessoa ou obter dinheiro ou assumir um comando ou conseguir qualquer outro poder, consentisse alguém em fazer justamente o que fazem os amantes para com os amados, fazendo em seus pedidos súplicas e prosternações, e em suas juras protestando deitar-se às portas, e dispondo-se a subserviências a que se não sujeitaria nenhum servo, seria impedido de agir desse modo, tanto pelos amigos como pelos inimigos, uns incriminando-o de adulação e indignidade, outros admoestando-o e envergonhando-se de tais atos — ao amante porém que faça tudo isso acresce-lhe a graça, e lhe é dado pela lei que ele o faça sem descrédito, como se estivesse praticando uma ação belíssima; e o mais estranho é que, como diz o povo, quando ele jura, só ele tem o perdão dos deuses se perjurar pois juramento de amor dizem que não é juramento, e assim tanto os deuses como os homens deram toda liberdade ao amante, como diz a lei daqui — por esse lado então poder-se-ia pensar que se considera inteiramente belo nesta cidade não só o fato de ser amante como também o serem os amados amigos dos amantes. Quando porém, impondo-lhes um pedagogo, os pais não permitem aos amados que conversem com os amantes, e ao pedagogo é prescrita essa ordem, e ainda os camaradas e amigos injuriam se vêm que tal coisa está ocorrendo, sem que a esses injuriadores detenham os mais velhos ou os censurem por estarem falando sem acerto, depois de por sua vez atentar a tudo isso, poderia alguém julgar ao contrário que se considera muito feio aqui esse modo de agir. O que há porém é, a meu ver, o seguinte: não é isso uma coisa simples, o que justamente se disse desde o começo, que não é em si e por si nem belo nem feio, mas se decentemente praticado é belo, se indecentemente, feio. Ora, é indecentemente quando é a um mau e de modo mau que se aquiesce, e decentemente quando é a um bom e de um modo bom. E é mau aquele amante popular, que ama o corpo mais que a alma; pois não é ele constante, por amar um objeto que também não é constante. Com efeito, ao mesmo tempo que cessa o viço do corpo, que era o que ele amava, “alça ele o seu voo”, sem respeito a muitas palavras e promessas feitas. Ao contrário, o amante do caráter, que é bom, é constante por toda a vida, porque se fundiu com o que é constante. Ora, são esses dois tipos de amantes que pretende a nossa lei provar bem e devidamente, e que a uns se aquiesça e dos outros se fuja. Por isso é que uns ela exorta a perseguir e outros a evitar, arbitrando e aferindo qual é porventura o tipo do amante e qual o do amado. Assim é que, por esse motivo, primeiramente o se deixar conquistar é tido como feio, a fim de que possa haver tempo, que bem parece o mais das vezes ser uma excelente prova; e depois o deixar-se conquistar pelo dinheiro e pelo prestigio político é tido como feio, quer a um mau trato nos assustemos sem reagir, quer beneficiados em dinheiro ou em sucesso político não os desprezemos; nenhuma dessas vantagens, com efeito, parece firme ou constante, afora o fato de que delas nem mesmo se pode derivar uma amizade nobre. Um só caminho então resta à nossa norma, se deve o bem-amado decentemente aquiescer ao amante. É com efeito norma entre nós que, assim como para os amantes, quando um deles se presta a qualquer servidão ao amado, não é isso adulação nem um ato censurável, do mesmo modo também só outra única servidão voluntária resta, não sujeita a censura: a que se aceita pela virtude. Na verdade, estabeleceu-se entre nós que, se alguém quer servir a um outro por julgar que por ele se tornará melhor, ou em sabedoria ou em qualquer outra espécie de virtude, também esta voluntária servidão não é feia nem é uma adulação. É preciso então congraçar num mesmo objetivo essas duas normas, a do amor aos jovens e a do amor ao saber e às demais virtudes, se deve dar-se o caso de ser belo o aquiescer o amado ao amante. Quando com efeito ao mesmo porto chegam amante e amado, cada um com a sua norma, um servindo ao amado que lhe aquiesce, em tudo que for justo servir, e o outro ajudando ao que o está tornando sábio e bom, em tudo que for justo ajudar, o primeiro em condições de contribuir para a sabedoria e demais virtudes, o segundo em precisão de adquirir para a sua educação e demais competência, só então, quando ao mesmo objetivo convergem essas duas normas, só então é que coincide ser belo o aquiescer o amado ao amante e em mais nenhuma outra ocasião. Nesse caso, mesmo o ser enganado não é nada feio; em todos os outros casos porém é vergonhoso, quer se seja enganado, quer não. Se alguém com efeito, depois de aquiescer a um amante, na suposição de ser este rico e em vista de sua riqueza, fosse a seguir enganado e não obtivesse vantagens pecuniárias, por se ter revelado pobre o amante, nem por isso seria menos vergonhoso; pois parece tal tipo revelar justamente o que tem de seu, que pelo dinheiro ele serviria em qualquer negócio a qualquer um, e isso não é belo. Pela mesma razão, também se alguém, tendo aquiescido a um amante considerado bom, e para se tornar ele próprio melhor através da amizade do amante, fosse a seguir enganado, revelada a maldade daquele e sua carência de virtude, mesmo assim belo seria o engano; pois também nesse caso parece este ter deixado presente sua própria tendência: pela virtude e por se tornar melhor, a tudo ele se disporia em favor de qualquer um, e isso é ao contrário o mais belo de tudo; assim, em tudo por tudo é belo aquiescer em vista da virtude. Este é o amor da deusa celeste, ele mesmo celeste e de muito valor para a cidade e os cidadãos, porque muito esforço ele obriga a fazer pela virtude tanto ao próprio amante como ao amado; os outros porém são todos da outra deusa, da popular. É essa, ó Fedro, concluiu ele, a contribuição que, como de improviso, eu te apresento sobre o Amor”.
