Jowett: República I
Veja também: Coletânea de excertos da obra completa de Platão, na tradução de Jowett, indexados por termos relevantes
A República começa com uma cena verdadeiramente grega — um festival em honra da deusa Bendis que é realizado no Pireu; a isso se acrescenta a promessa de uma corrida de tochas equestre à noite. Toda a obra deve ser recitada por Sócrates no dia seguinte ao festival para um pequeno grupo, composto por Crítias, Timeu, Hermócrates e outro; isso aprendemos com as primeiras palavras do Timeu.
Quando a vantagem retórica de recitar o Diálogo foi alcançada, a atenção não é distraída por qualquer referência ao público; nem o leitor é lembrado ainda da extraordinária extensão da narrativa. Da numerosa companhia, apenas três tomam parte séria na discussão; nem somos informados se à noite foram à corrida de tochas, ou conversaram, como no Banquete, durante a noite. A maneira como a conversa surgiu é descrita da seguinte forma: — Sócrates e seu companheiro Glauco estão prestes a deixar o festival quando são detidos por uma mensagem de Polemarco, que rapidamente aparece acompanhado por Adimanto, irmão de Glauco, e com violência lúdica os obriga a permanecer, prometendo-lhes não apenas a corrida de tochas, mas o prazer da conversa com os jovens, que para Sócrates é um atrativo muito maior. Eles retornam à casa de Céfalo, pai de Polemarco, agora em extrema velhice, que é encontrado sentado em um assento almofadado e coroado para um sacrifício. ‘Deveriam vir até mim mais vezes, Sócrates, pois estou velho demais para ir até ti; e na minha idade, tendo perdido outros prazeres, cuido mais da conversa.’ Sócrates pergunta o que ele pensa da idade, ao que o velho responde que as tristezas e descontentamentos da idade devem ser atribuídos aos temperamentos dos homens, e que a idade é um tempo de paz em que a tirania das paixões não é mais sentida. Sim, responde Sócrates, mas o mundo dirá, Céfalo, que és feliz na velhice porque és rico. ‘E há algo no que dizem, Sócrates, mas não tanto quanto imaginam — como Temístocles respondeu ao Serifiano, “Nem tu, se tivesses sido ateniense, nem eu, se tivesse sido Serifiano, teríamos jamais sido famosos”, eu poderia de maneira semelhante responder-te, Nem um bom homem pobre pode ser feliz na velhice, nem tampouco um homem rico mau.’ Sócrates observa que Céfalo parece não se importar com riquezas, qualidade que ele atribui ao fato de tê-las herdado, não adquirido, e gostaria de saber o que ele considera ser a principal vantagem delas. Céfalo responde que quando se é velho, a crença no mundo inferior cresce em ti, e então ter feito justiça e nunca ter sido compelido a fazer injustiça por causa da pobreza, e nunca ter enganado ninguém, são sentidos como bênçãos indizíveis. Sócrates, que evidentemente está se preparando para um argumento, pergunta em seguida, Qual é o significado da palavra justiça? Dizer a verdade e pagar tuas dívidas? Nada mais que isso? Ou devemos admitir exceções? Devo, por exemplo, devolver às mãos do meu amigo, que enlouqueceu, a espada que lhe pedi emprestada quando ele estava em seu perfeito juízo? ‘Deve haver exceções.’ ‘E ainda assim,’ diz Polemarco, ‘a definição que foi dada tem a autoridade de Simonides.’ Aqui Céfalo se retira para cuidar dos sacrifícios, e lega, como Sócrates diz facetiosamente, a posse do argumento ao seu herdeiro, Polemarco. . . . . .
