Enéada VI, 2, 22 — Os gêneros primeiros e suas espécies: vinda ao ser da multiplicidade no Intelecto
E é em palavras veladas que Platão se expressa dizendo: «na medida em que o intelecto contempla as formas que estão no vivente total, e vê o que elas são e quantas há». Pois a alma, que vem depois do Intelecto e que possui em si as formas, na medida em que é alma, as vê melhor no que vem antes dela. E nosso intelecto, mesmo que as tenha em si, as vê melhor no que vem antes dele. Pois em si, ele se contenta em ver, enquanto no que vem antes dele ele vê também que vê. Esse intelecto que é o nosso, que declaramos que vê, porque não está separado do que é antes dele e do que dele vem (na medida em que é uma multiplicidade que provém da unidade e que possui a natureza do outro que vem com a multiplicidade), vem a ser «uno-múltiplo». Mas porque é um e múltiplo, o Intelecto produz a multiplicidade dos intelectos sob o efeito de uma semelhante necessidade. Mas em geral, não é possível apreender o que é um em número e indivisível; o que se apreende, de fato, é uma forma, pois é algo que é desprovido de matéria. É por isso que Platão diz isso em palavras veladas, quando declara que «a realidade se fragmenta em partes ilimitadas». Pois enquanto se vai em direção a outra espécie, a partir de um gênero, por exemplo, ainda não há ilimitado, pois o processo é limitado pelas espécies que foram engendradas. Mas a espécie última que não se divide mais em espécies, está mais perto do ilimitado. É o que Platão quer dizer: «Nesse momento, é preciso deixá-la se dispersar no ilimitado e abandoná-la.» Enquanto se permanece nessas espécies últimas, está-se no ilimitado; mas assim que elas são compreendidas na unidade , elas constituem agora um número. O Intelecto contém, portanto, o que vem depois dele, a alma, de sorte que a alma também está no número até no que há de mais baixo nela, mesmo que o que há de mais baixo nela já seja totalmente ilimitado. E um intelecto dessa sorte é uma parte, mesmo que contenha todas as coisas e o Intelecto total . A alma é uma parte de parte, mas como uma atividade que procede do Intelecto. Quando ele está ativo em si mesmo, os produtos de sua atividade são outros intelectos, enquanto quando ele age fora de si mesmo, o produto é a alma. E já que a alma é ativa a título de gênero ou de espécie, as outras almas são ativas como espécies. E as atividades dessas almas são de duas sortes: uma é dirigida para cima, e é o intelecto, enquanto a outra é dirigida para baixo, e é o conjunto das outras faculdades que estão dispostas hierarquicamente. A mais baixa dessas faculdades já toca a matéria que ela informa. E o fato de haver algo de si mesma que está embaixo não impede que todo o resto esteja em cima. Ou melhor, mesmo essa suposta parte inferior é uma imagem da própria alma, que não está dela separada, mas que é como um reflexo em um espelho, o qual dura enquanto o objeto refletido estiver presente no exterior. – Mas como se deve entender «no exterior»? – É o mundo inteligível que se estende até o que se encontra antes da imagem; é um todo perfeito, pois se compõe do conjunto dos inteligíveis, como nosso mundo que é a imitação desse mundo, na medida em que é possível para a imagem de um vivente permanecer fiel ao Vivente-em-si, como o desenho ou o reflexo na água são a representação do que parece estar lá antes que haja o reflexo na água ou o desenho. A imitação que está no desenho ou na água não é a imitação dos dois elementos do composto, mas a imitação daquele que recebeu do outro sua configuração. Assim, a imagem do inteligível contém representações não daquele que a produziu, mas do que se encontrava naquele que a produziu, por exemplo um homem ou qualquer outro vivente. O modelo e aquele que produz são um vivente, mas cada um a título diferente, mesmo que se encontrem ambos no inteligível.
