Enéada VI, 3, 9 — Divisão da realidade sensível em espécies: Critérios
É isso que acontece com o que se chama «realidade sensível», tomada como um só e mesmo gênero. Mas quais são suas espécies, e como dividi-las? Pois bem, é preciso considerar que, em seu conjunto, ela é um corpo; ora, entre os corpos, uns são apenas materiais, enquanto outros são orgânicos. São materiais, o fogo, a terra, a água, o ar; e são orgânicos os corpos das plantas e dos animais, que diferem em função de seu aspecto exterior. Depois é preciso levar em conta as espécies de terra e as dos outros elementos; e entre os corpos orgânicos é preciso distinguir entre as plantas e os corpos dos animais, considerando seu aspecto exterior, ou melhor, segundo alguns vivem na terra ou na terra, isto é, segundo o elemento particular no qual o animal vive. Entre os elementos que constituem os corpos, é preciso ainda distinguir entre aqueles que são leves, pesados ou que se encontram entre os dois; é preciso também distinguir entre aqueles que se mantêm no centro do universo, aqueles que se mantêm na periferia e aqueles que se situam em uma posição intermediária. E em cada um desses grupos, os corpos já são diferenciados de acordo com seu aspecto exterior, pois há os corpos dos viventes celestes, e aqueles que estão em relação com os outros elementos. Ou ainda, depois de tê-los repartido em quatro espécies, é preciso arranjar-se para combiná-los de outra forma, fazendo uma mistura de suas diferenças segundo o lugar que ocupam, o aspecto exterior que apresentam e a mistura da qual são constituídos, qualificando-os, por exemplo, de «ígneos» ou de «terrosos» segundo o elemento dominante e prevalente neles. A expressão «realidades primeiras», por exemplo tal ou qual fogo particular, e «realidades segundas», por exemplo o fogo, indica bem uma diferença de outro tipo, a saber, aquela que opõe o particular ao universal, mas não uma diferença em relação à realidade. Pois na qualidade também, faz-se uma distinção entre «algo de branco» e «branco», entre «uma competência literária particular» e «a competência literária». «A competência literária» não é posterior a «uma competência literária particular», mas é porque o «saber» existe que há «um saber particular». Além disso, o que «a competência literária» tem de menos que «uma competência literária particular», e «o saber» que «um saber particular»? «A competência literária», de fato, não é posterior a «uma competência literária particular», mas é antes porque «a competência literária» existe que ela pode estar em ti. Mesmo que «a competência literária» em ti seja particular porque se encontra em ti, ela não deixa de ser idêntica a «a competência literária» em geral. E não é Sócrates ele mesmo que dá ao que não é um homem o fato de ser um homem, mas o fato de ser um homem que dá a Sócrates ser um homem. Pois o ser humano particular é homem por participação no Homem. – Em consequência, o que pode ser Sócrates, senão um homem qualificado, e em que o fato de ser qualificado faria com que ele fosse mais realidade? – Se, de fato, é porque «o Homem é uma forma pura», enquanto Sócrates é «uma forma na matéria», Sócrates será menos homem desse ponto de vista, pois na matéria, a «razão» se situa em um nível inferior. Se, por outro lado, o Homem é uma forma que não subsiste em si mesma, mas que se encontra na matéria, o que o Homem terá de menos que o homem que se encontra na matéria, já que ele também é a «razão» do homem em uma matéria particular? – Mas ainda, o que está mais próximo do gênero é anterior por natureza, de modo que a espécie é anterior ao indivíduo. E o que é anterior por natureza é anterior pura e simplesmente. Como então isso será inferior? – O particular é mais fácil de conhecer para nós; ele é, portanto, anterior. Mas essa anterioridade não constitui uma diferença na realidade. Além do mais, se assim fosse, não haveria uma única definição da realidade, pois a definição da realidade primeira e a da realidade segunda não seriam as mesmas; além disso, a realidade primeira e a realidade segunda não cairiam tampouco sob o mesmo gênero.
