renascenca_platonica:marsilio_ficino:alma-luz-corpo-ficino

Que a alma foi criada ornamentada com duas luzes, e porque é que desce ao corpo (Ficino)

Ficino, 1594

Por outro lado, a alma, desde o momento de seu nascimento por Deus, volta-se naturalmente para Ele, seu Pai, assim como o fogo gerado na terra, impulsionado por forças superiores, sobe imediatamente para as regiões celestes. Ao se voltar para Deus, a alma é iluminada por seus raios. No entanto, esse primeiro brilho, ao ser recebido por sua substância ainda informe, torna-se mais obscurecido e, ao ser assimilado por sua capacidade, transforma-se em algo próprio e natural para ela. Graças a essa luz, a alma pode ver a si mesma e os seres inferiores—todos os corpos—mas não consegue ver Deus nem outras entidades superiores. No entanto, ao aproximar-se de Deus por essa centelha, recebe uma luz ainda mais clara, que lhe permite conhecer também as coisas elevadas. Assim, a alma possui duas luzes: uma natural e inata, e outra divina e infusa. Unidas como duas asas, permitem que a alma se eleve às regiões superiores. Se a alma utilizasse sempre a luz divina, permaneceria continuamente unida ao divino, e a Terra acabaria desprovida de seres racionais.

Entretanto, a Providência ordenou que a alma fosse senhora de si mesma, capaz de usar ambas as luzes ao mesmo tempo ou apenas uma delas. Assim, quando, guiada por sua natureza, volta-se para sua luz própria e descuida do divino, passa a concentrar-se em suas forças ligadas ao governo do corpo e busca empregá-las na procriação. Movida por esse desejo, segundo dizem, ela desce ao corpo, onde exerce sua força ao gerar, movimentar-se e perceber, adornando com sua presença a Terra, a região inferior do mundo. A Terra não deve carecer de razão, pois nenhuma parte do mundo pode ficar privada de seres racionais, já que o Criador do mundo, à semelhança do qual o próprio mundo foi concebido, é pura razão. Nossa alma caiu no corpo quando, esquecendo a luz divina, passou a utilizar apenas sua luz própria e encontrou satisfação em si mesma. Somente Deus, que nada lhe falta e sobre quem não há nada maior, está plenamente satisfeito consigo mesmo, permanecendo eterno e suficiente. Dessa forma, a alma tornou-se semelhante a Deus quando quis bastar-se a si mesma, como se, tal qual Deus, fosse autossuficiente.

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