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Sobre as almas das esferas e dos demônios (Ficino)

Ficino, 1594

Mas saibam de que modo os demônios habitam essas zonas intermediárias entre o céu e a terra, segundo as palavras de Diotima neste Banquete, as de Sócrates no Fedro e no Filebo, e as do hóspede ateniense em As Leis e Os Epinomes.

Platão considera que toda a estrutura deste mundo é governada e movida por uma alma, visto que o corpo do mundo, como qualquer corpo, é composto pelos quatro elementos cujas partículas constituem os corpos de todos os seres vivos. Assim, o corpo de qualquer animal é uma partícula do corpo do mundo e não é formado pelo elemento puro do fogo, do ar, da água ou da terra, mas por certas partes desses elementos. Consequentemente, uma vez que o todo é mais perfeito do que a parte, o corpo do mundo é necessariamente mais perfeito do que o corpo de qualquer ser vivo. Certamente seria absurdo pensar que um corpo imperfeito tenha alma, enquanto o corpo perfeito não a possua nem esteja vivo. Quem, em sua loucura, diria que a parte vive e o todo não? Portanto, todo o corpo do mundo está vivo, visto que os corpos dos seres vivos, que fazem parte desse todo, estão vivos. A alma do todo deve ser única, assim como única é sua matéria e sua estrutura. Assim, se, como Platão sugere, há doze esferas no mundo—oito céus e quatro elementos abaixo do céu—e essas esferas diferem entre si em aspecto, movimento e propriedades, então elas devem conter doze almas distintas em beleza e virtude. Uma delas será a alma da matéria primeira, e as outras doze serão as almas dos doze círculos. Quem negaria que a terra e a água estão vivas, considerando que geram seres vivos? E se esses elementos inferiores do mundo vivem e estão cheios de seres animados, por que o ar e o fogo, que são partes mais nobres do mundo, não estariam vivos e povoados por seres animados, tal como os céus? De fato, podemos observar os seres vivos do céu, que são as estrelas, assim como os seres vivos da terra e da água. Porém, não vemos os seres do fogo e do ar, pois tampouco percebemos os elementos puros do fogo e do ar. No entanto, há uma diferença: na terra, há dois tipos de seres vivos, os irracionais e os racionais, assim como na água, pois, sendo a água um elemento mais digno que a terra, não deveria estar menos provida de razão. Já os dez círculos superiores do mundo, devido à sua sublime natureza, são habitados apenas por seres racionais.

Os platônicos chamam deuses à alma do mundo, isto é, da matéria primeira, às almas das doze esferas e das estrelas, pois seguem o sumo Deus e a mente angélica. Chamam de demônios os seres que, situados abaixo da lua, habitam as regiões do fogo etéreo, do ar puro ou do ar nebuloso próximo à água. E chamam de homens os seres racionais que habitam a terra. Os deuses são imortais e impassíveis; os homens, mortais e passíveis; os demônios, imortais, mas passíveis. Contudo, não atribuem aos demônios as paixões do corpo, mas certos afetos do espírito, que os fazem amar os homens bons e odiar os maus, intervindo ardentemente no governo das coisas inferiores, especialmente dos seres humanos. Por essa atuação, todos os demônios parecem bons. Alguns platônicos e teólogos cristãos acreditam na existência de demônios maus, mas não é o momento de abordar essa questão.

Dionísio Areopagita costuma chamar os anjos bons, nossos protetores, de governadores do mundo inferior, o que pouco difere do pensamento de Platão. Além disso, podemos chamar aqueles que Platão denomina deuses e almas das esferas e das estrelas, segundo a tradição de Dionísio, de anjos, ministros de Deus. Isso não contradiz Platão, pois, como se observa no livro X de As Leis, ele não vincula as almas dessa natureza aos corpos das esferas, como ocorre com as almas das criaturas terrenas. Ao contrário, afirma que elas receberam do sumo Deus tanta virtude que podem, ao mesmo tempo, contemplar Deus e, sem esforço ou dificuldade, governar e mover as esferas do mundo conforme a vontade do Pai. E, ao mover essas esferas, também governam facilmente as coisas inferiores. Por isso, a diferença entre Platão e Dionísio é mais de terminologia do que de significado.

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