Como nascem o Amor e o Ódio, ou que a Beleza é incorpórea (Ficino)
Ficino, 1594
De tudo isso, conclui-se que toda a graça do rosto divino, chamada beleza universal, é incorpórea, não apenas nos anjos ou na alma, mas até mesmo no olhar dos olhos. Movidos pela admiração, não amamos apenas essa face como um todo, mas também suas partes, o que dá origem ao amor pela beleza particular. Assim, somos atraídos por qualquer ser humano como parte da ordem do mundo, especialmente quando nele resplandece claramente uma centelha da beleza divina. Esse sentimento nasce de duas causas: primeiro, porque a aparência e a forma de um homem, dispostas de maneira harmoniosa, correspondem perfeitamente à noção do gênero humano que nosso espírito recebeu do Criador e conserva. Como resultado, quando a imagem captada pelos sentidos e transmitida ao espírito não corresponde à ideia do homem que a alma possui, ela imediatamente nos causa desagrado, sendo percebida como disforme e até rejeitada. Se há correspondência, agrada instantaneamente e, por sua beleza, é amada. Por isso, acontece que algumas pessoas nos agradam ou desagradam à primeira vista, sem que saibamos explicar essa reação, pois o espírito, ocupado com o governo do corpo, não contempla as formas que naturalmente existem dentro de si. No entanto, ocorre que, por uma adequação ou inadequação natural, a forma exterior de um ser, ao pulsar com sua imagem a forma que já está impressa no espírito, gera acordo ou discordância, e, por essa reação oculta, o espírito, comovido, ama ou rejeita aquele ser.
A força divina infundiu no anjo e na alma a figura perfeita do homem a ser criado. Contudo, a constituição do homem na matéria do mundo, estando distante do artífice divino, mostra-se indigna dessa perfeição. Em uma matéria mais bem disposta, a semelhança se manifesta com maior clareza, enquanto em outras ocorre de forma menos evidente. Aquela que se aproxima mais dessa perfeição ajusta-se à força de Deus e à ideia angélica, assim como à noção que a alma possui. A alma aprova esse ajuste, e é nesse alinhamento que reside a beleza; e na aprovação desse ajuste reside o afeto do amor. Como a ideia e a razão são alheias à matéria do corpo, julga-se que a constituição humana as reflete, não por meio da matéria ou da quantidade, mas por algo incorpóreo mais digno. Quando essa constituição se aproxima da perfeição, ela se ajusta às formas superiores; e quando há ajuste, há beleza. Assim, o corpo e a beleza são entidades distintas.
Se alguém perguntasse como a forma do corpo pode ser semelhante à forma e à razão do espírito e da mente, poderia considerar o exemplo de um arquiteto. Inicialmente, o arquiteto concebe no espírito a ideia do edifício. Depois, dentro de suas capacidades, constrói a casa conforme a concepção original. Quem negaria que essa casa, embora corpórea, é extremamente semelhante à ideia incorpórea do artífice, cuja imagem a guiou? Além disso, a semelhança com o arquiteto deve ser julgada não pela matéria, mas por uma condição incorpórea que lhe é superior. Se possível, tente separar a matéria do projeto arquitetônico por meio do pensamento, mas mantenha a ordem. Sem a matéria, o corpo do edifício desaparece, mas a ordem permanece, pois ela provém do artífice e nele se conserva. O mesmo ocorre com o corpo humano: aquele cuja forma se ajusta à razão do espírito é simples e transcende a matéria.
