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Dos sete dons que Deus concede aos homens (Ficino)

Ficino, 1594

Diz-se que os deuses inferiores servem às ideias de todas as coisas contidas na mente divina, e os demônios servem aos dons desses deuses. Pois tudo passa do grau mais elevado ao mais baixo por meio dos intermediários, de tal forma que as ideias concebidas pela mente divina transmitem seus dons generosamente aos homens através dos deuses e dos demônios. Os principais desses dons são sete: acuidade na contemplação, poder de governar, entusiasmo, clareza dos sentidos, ardor no amor, sutileza na interpretação e fecundidade para gerar. Inicialmente, Deus contém em si a força desses dons. Depois, concede seu poder aos sete deuses que movem os sete planetas, chamados anjos, de modo que cada um recebe um dom em grau superior aos demais. Esses deuses, por sua vez, os transmitem aos sete ordens de demônios que os servem. Finalmente, os demônios transmitem esses dons aos homens.

Certamente, Deus infunde esses dons nos espíritos no instante em que nascem. As almas, ao descerem para os corpos desde a Via Láctea e passarem por Câncer, são envolvidas por um corpo celeste e luminoso e, revestidas por ele, encerradas nos corpos terrestres. Pois a ordem natural exige que o espírito puríssimo não possa cair diretamente em um corpo impuro sem antes receber um meio e uma envoltura pura. Esta, sendo mais densa que a alma, mas mais sutil e pura que o corpo, é considerada pelos platônicos como o elo mais apropriado entre alma e corpo terrestre. Assim, os espíritos dos planetas confirmam e fortalecem nos nossos espíritos e corpos as forças daqueles sete dons concedidos por Deus desde o princípio, de maneira contínua. Essa tarefa também é realizada por diversas espécies de demônios, que servem de intermediários entre os seres celestes e os homens. Saturno fortalece o dom da contemplação por meio dos demônios saturnianos. Júpiter reforça o poder de governar e comandar através dos demônios jovianos. Marte intensifica a grandeza de espírito com o auxílio dos demônios marciais. O Sol, com ajuda dos demônios solares, melhora a clareza dos sentidos e do pensamento, de onde se origina a previsão. Vênus inspira o amor por meio dos venusianos. Mercúrio amplia, com a intervenção dos mercurianos, a habilidade na dicção e na interpretação. Finalmente, a Lua, com a contribuição dos lunares, favorece o exercício da geração. Embora concedam a todos os homens a capacidade dessas ações, sua influência varia de acordo com a disposição do céu no momento da concepção e do nascimento. Esses dons, por terem sido infundidos por vontade divina, embora sejam nobres, podem às vezes parecer indignos devido ao abuso. Isso é evidente no exercício do poder, da coragem, do amor e da geração. O instinto do amor, para não nos alongarmos, nos vem do Deus soberano, de Vênus, que chamamos de deusa, e dos demônios venusianos. Sendo originado de Deus, deve ser chamado de divino, e por ser confirmado pelos demônios, chamado de demoníaco. Por isso, segundo Agatão, foi chamado de deus e, segundo Diotima, de demônio—ou, poderíamos dizer, de demônio venusiano.

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