Ficino (1476) – Quando as divindades estão alegres...
Quando as divindades estão alegres, os corpos celestes, que são como seus olhos, riem e se transportam de alegria ao resplandecer e se mover.
Visto que percebemos, pelos raios celestes que dos corpos supracelestes descem até nós passando pelos corpos celestes como por vidro, que a luz concede a todos os seres sua perfeição, sentido, certeza, graça e alegria, é necessário que ela seja, nos espíritos acima do céu, a perfeição de sua forma, a fecundidade de sua vida, a clarividência de seus sentidos, a límpida certeza de sua verdadeira inteligência, a abundância de sua graça e a riqueza de sua alegria. A imagem de todas essas qualidades é o esplendor do céu, ou melhor, uma sombra quanto à sua claridade, pois o corpo do céu pode reproduzir menos exatamente o brilho do espírito do que a terra reproduz o fulgor do céu. Na admirável alegria dos espíritos celestes, o céu, semelhante a seu corpo e mesmo a seu olho - pois Orfeu chamava o sol de “olho” - manifesta seu riso em seu esplendor e seu júbilo em seu movimento, assim como a terra, muito distante desses mesmos espíritos, manifesta suas lágrimas em suas trevas e seu torpor em sua imobilidade e inação.
Porém, não se deve crer que o céu seja movido por alguma força ou por deficiência, pois seu movimento é naturalmente perpétuo e não abandona seu lugar natural. Ele é, portanto, a substância absolutíssima da qual nada se subtrai e que, por uma espécie de êxtase de alegria que a transporta, não consegue repousar. Segundo os pitagóricos, é ao som do canto das divindades alegres que as esferas conduzem os coros astrais, produzindo assim uma harmonia maravilhosa em movimentos muito ordenados e variados. Diante do riso dos astros, manifestado principalmente por seus raios, tudo o que está sob o céu e acima da terra sorri; diante das trevas, como diante da tristeza, tudo se entristece, pois costumamos nos alegrar com os que riem e nos entristecer com os que choram.
