Ficino (TP:18.10) – Da condição intermediária das almas
Frequentemente questiona-se sobre o destino das almas daqueles que morreram antes da idade da razão. Platão menciona que Er, o Panfílio, que ressuscitou dentre os mortos, trouxe diversos detalhes surpreendentes sobre a condição das outras almas, mas que os relatos sobre as almas dos que morreram prematuramente não merecem ser registrados. Avicena, em sua Metafísica, afirma que as almas que ainda não contraíram hábitos bons ou maus obtêm da generosidade da clemência divina uma felicidade relativa.
Para nós, se nos fosse permitido intervir nas hipóteses filosóficas sobre este problema, diríamos talvez que, dada a ordem das coisas, o destino que as atingiu está de certa forma fora da ordem aparente; mas que a sabedoria divina, que nunca permite a ninguém escapar da ordem geral, as reintegra em uma ordem que certamente nos é oculta, mas que é muito clara para os seres superiores.
O que significa isto? Se Deus sempre intercala vários intermediários entre os extremos mais distantes entre si, da mesma forma interpôs entre as categorias dos bem-aventurados e dos infelizes — por estarem muito distanciados — numerosos graus intermediários, para que não haja menos gradações na ordem oculta das almas do que na ordem visível dos corpos. Assim, há muitos bem-aventurados e consequentemente muitos infelizes, mas também aqueles que são menos felizes e, por outro lado, os que são menos infelizes, além dos que, estando exatamente no meio, não são verdadeiramente infelizes nem verdadeiramente felizes.
Considera-se bem-aventurado aquele que saboreia em Deus delícias divinas, e infeliz aquele que nunca aspira o perfume divino, mas sempre o deseja. Assim, é menos feliz quem experimenta menos alegria em Deus e, reciprocamente, menos infeliz quem deseja e sofre menos. Finalmente, entre ambos está aquele que saboreia nas criaturas os aromas do Criador e vive satisfeito com esse perfume. Os filósofos talvez digam que as almas das crianças não têm motivo para queixar-se da justiça divina, pois se estão privadas da faculdade de possuir o sumo bem, também estão isentas de cair no sumo mal.
Além disso, é provável que não se queixem, se de fato a luz do sol divino, repleta das formas naturais, ao criar os seres da natureza, influi sobre a transparência de uma alma ainda não obscurecida pelas névoas das paixões corpóreas. E se, como diz Timeu, essa luz solar divina lhe mostra simultaneamente a ordem do universo e, nessa ordem, o Ordenador — na medida em que a própria ordem contém o Ordenador — e, ao conceder-lhe essa graça, a torna feliz.
Assim como no homem há o “espírito” entre o corpo grosseiro e a alma, e na sensibilidade há a ausência de dor e prazer entre esses extremos; como na razão há a opinião correta entre o saber e a ignorância, e no universo o corpo diáfano entre o corpo luminoso e o opaco; do mesmo modo, entre os espíritos separados parece haver os que, por ambas as vias, têm a felicidade de ser formados tanto pela claridade quanto pela luz de Deus, e inversamente os que, próximos da terra, carecem miseravelmente de ambas, enquanto entre eles há no ar mais puro os espíritos intermediários que, embora favorecidos pela luz divina, não usufruem de sua claridade.
Contudo, deve-se recordar o que dissemos alhures: uma coisa é o esplendor permanente do sol, outra a luz que dele emana e se difunde, e outra ainda o raio específico que naturalmente penetra nos olhos. Analogamente, o esplendor infinito de Deus, pelo qual Ele desfruta de Si mesmo e as inteligências bem-aventuradas fruem da bondade divina, difere da luz comum que desse esplendor se derrama sobre todas as inteligências límpidas, permitindo-lhes ver toda a criação — sem jamais ver verdadeiramente o Criador em Si mesmo, a menos que, inflamadas pela luz, sejam transportadas para Seu esplendor. Outra coisa ainda é a espécie de raio peculiar a cada inteligência, que se lhes torna natural desde o princípio e permanece nelas de certo modo, mesmo que dele se afastem.
No primeiro grau dessa iluminação estão os bem-aventurados; no segundo, os que propriamente não são nem felizes nem infelizes, contentes em seu estado; no terceiro, as almas humanas ligadas a corpos ou paixões corpóreas, quase infelizes, mas que a esperança torna quase felizes. Abaixo, enfim, estão os espíritos mais infelizes, aos quais resta apenas um raio divino já obscurecido, ardente e desprovido da certeza de possuir o puro esplendor.
Um platônico talvez proponha esta explicação: se Deus criou as inteligências para o esplendor divino, e se elas próprias se preparam para alcançá-lo pelo conhecimento e sobretudo pelo amor da bondade divina — pois o conhecimento as forma pela luz desse esplendor e o amor as reconduz à sua forma primitiva — é verossímil que a justiça divina queira que nenhuma inteligência seja totalmente privada da possibilidade e ocasião de conhecer e amar Deus.
Como uma funesta necessidade do destino priva muitos humanos — os que morrem antes da razão e os que nascem estúpidos — desse conhecimento e amor, seria conveniente que a Providência divina lhes restituísse essa possibilidade, seja extraordinariamente nesta vida, seja na outra, para que ninguém, por culpa própria, seja excluído do fim principal da espécie humana. Portanto, suas almas, se não aqui, ao menos separadas dos corpos, conheceriam o Criador nas criaturas e, nessa luz mencionada, se inflamariam progressivamente de tal amor pelo Criador que, após certo tempo, estariam prontas para alcançar o esplendor.
Esse processo ocorreria no tempo, pois só as inteligências angélicas, sendo eternas, progridem ou decaem instantaneamente, enquanto as almas, naturalmente inclinadas às coisas temporais, operam no tempo — mais longo no corpo, muito breve fora dele, mas instantâneo apenas quando transportadas a uma natureza quase angélica. Se as almas no purgatório, em condições menos propícias, ascendem à bem-aventurança, não surpreende que as almas na região intermediária, isentas de dor e próximas da felicidade, também o façam. Eis o que os filósofos podem pensar sobre as crianças.
Quanto aos nascidos estúpidos, o problema parece mais complexo. Se vivem muito, contraem com a matéria, parte inferior do universo, um modo de ser que geralmente os afasta de Deus, ápice do universo. Esse modo de ser, persistindo na alma separada, ainda a volta para a matéria e a desvia de Deus. Como a bem-aventurança só convém aos voltados para Deus, se forem infelizes sem culpa por não poderem voltar-se para o ápice do universo, Deus teria ordenado em vão que o fizessem.
Um peripatético talvez responda que nos estúpidos a fantasia é tão forte que paralisam a razão, impedindo-a de criar um modo de ser. Como o modo peculiar da fantasia reside mais no corpo animado que na alma, cessa com a dissolução do composto, deixando a inteligência livre para voltar-se imediatamente para Deus, receber Sua luz onipresente, inflamar-se de amor e, ardendo, merecer rapidamente a felicidade.
Os platônicos, crendo que o modo de ser persiste na fantasia remanescente e dela passa à razão concordante — quando forçada a consentir — dirão que esse modo desviador deve ser totalmente destruído antes da ascensão, à qual concorrem maravilhosamente o gênio e o poder divinos. A Providência não foi menos solícita com as inteligências que com os corpos. Assim como nos corpos doentes a natureza, auxiliada pela arte médica, expulsa a doença, o médico divino, por Si mesmo ou por ministros hábeis, purifica o modo corpóreo e reconduz a inteligência a Deus.
Não contraria a ordem que a clemência divina — louvável num príncipe — aqui resplandeça, pois ninguém é condenado sem culpa pessoal, e quem é temporariamente privado do poder de merecer sem culpa, recupera-o pela graça divina — um poder infalível que, com auxílio divino, pode em pouco tempo granjear muitos méritos. Eis a resposta platônica.
Temendo, porém, apresentar sobre crianças e insensatos uma opinião pueril e insensata, parece-nos mais seguro e preferível, com humilde obediência, remeter-nos aos guias mais veneráveis do cristianismo.
