Ficino (TP:18.8.1) – Condição da alma pura
Onde está, então, a alma pura quando, na morte, deixa o corpo? Está onde está a pura luz do sol quando se fecham os olhos. Ora, a luz se reflete no sol. O veículo etéreo da alma também retorna ao éter quando deposita sua carga terrestre. A alma, nascida outrora no éter, diz Pitágoras, aspira ao éter principalmente se concebeu em sua inteligência um modo de vida e pensamento idêntico ao das inteligências etéreas. De fato, a alma se move e age segundo seu hábito como a natureza segundo as formas. Isso aparece manifestamente naqueles que, tendo contraído o hábito de uma arte, agem como age ordinariamente a natureza, isto é, sem reflexão nem atenção, como se essa arte lhes fosse natural. Platão atesta no Fédon e no Górgias que os hábitos morais e intelectuais, bons ou maus, permanecem na alma separada, e isso é confirmado pela razão de que o hábito, diz-se, se transforma em natureza de tal modo que a inclinação que gera é como a gerada pela natureza; o que se realiza sobretudo nas almas libertas dessa variabilidade.
Mas por que as almas dos elementos e seus veículos não tendem também a retornar à sua morada celeste? Porque (para dar a resposta dos platônicos em preferência à minha) o papel que Deus lhes atribuiu é permanecer sempre aqui embaixo. Ora, as almas obedecem à vontade divina, e os veículos, por sua vez, obedecem ao desejo das almas. Além disso, apesar desse papel, as almas não perdem sua função mais excelente. Seus veículos prosseguem sem obstáculo seu movimento circular ao redor de suas almas e, assim como é natural aos céus girar, onde estão, ao redor de suas almas, do mesmo modo é natural a esses veículos girar ao redor das suas. Mas quando nossa alma cumpriu adequadamente aqui embaixo a função que lhe foi imposta temporariamente, escolhe para si preferencialmente a região do éter à qual estava destinada desde seu nascimento. Platão diz que ela se refugia junto ao astro e à divindade aos quais se tornou semelhante durante a vida. Mas essa é sua maneira de ver.
Consequentemente, assim como na terra procedia em suas considerações dos indivíduos às espécies universais das coisas naturais, das espécies às razões divinas, enquanto causas das coisas naturais, do mesmo modo, inversamente, de volta ao céu, volta-se completamente das razões divinas, isto é, das ideias para as espécies naturais, e destas, de certa maneira, para as coisas individuais. Tanto aqui examinava com cuidado as coisas individuais, quanto lá as olha com negligência. Por outro lado, tanto aqui entrevia obscuramente as coisas divinas, quanto lá as percebe claramente. O que aqui via isoladamente na luz exterior por meio de instrumentos, lá vê por si mesma conforme a espécie na luz interior.
Certamente, quanto antes estava voltada para os sentidos, tanto agora se volta para a inteligência, à qual resplandece a luz divina. Embora se possa dizer que essa luz é intrínseca às inteligências, depende sempre de Deus mesmo, muito mais que o raio infundido no olho depende do sol, é conservada por Deus e permanece repleta de formas, como a luz do sol está repleta de cores. Ela mostra às inteligências as formas mesmas e todo o resto por meio das formas, na medida em que essas inteligências se voltam, puras e ardentes, para essa luz. Em todo caso, revela-lhes, quando estão completamente convertidas, tantas espécies de coisas quantas realiza no universo. Não convém, de fato, que a inteligência participe menos das formas que a matéria do universo, nem que se lhe conceda menos do que deseja naturalmente. Ora, ela deseja compreender a ordem do universo, ordem na qual está ela mesma incluída, que outrora buscou longamente com admiração e na qual recebe ela mesma o papel de uma espécie de providência. Percebe nessa luz os seres particulares e inferiores, sejam passados, presentes ou futuros, na medida em que é dirigida para eles por uma espécie de providência ou desejo.
Assim como os velhos desdenham ou zombam com razão dos jogos das crianças, os filósofos dos gostos do vulgo, os despertos dos sonhos dos que dormem, a menos que em certas ocasiões a necessidade o exija, do mesmo modo e com maior razão as inteligências separadas desdenham nossos interesses particulares e contingentes, a menos que uma espécie de providência lhes tenha sido confiada pelo Pai de todos os seres, cuja natureza é a própria providência, cuja ação é providência e cuja tarefa é prover a tudo. Plotino prova, tanto pela opinião dos Antigos quanto por seu próprio raciocínio, que tais almas cuidam de seus próximos e são frequentemente úteis ao gênero humano inteiro por meio de oráculos e outros bons ofícios. Mas porque sua providência está de acordo com a vontade divina, nenhum transtorno proveniente de nossos assuntos as atinge, e governam com toda facilidade e tranquilidade.
Todavia, para que não se duvide que a alma separada possa ser elevada a uma luz tão grande, sob pretexto de que a vemos no corpo, envolta em tão grande obscuridade, os platônicos convidam a comparar, de um lado, o intelecto à visão e, de outro, o inteligível ao visível. A visão nunca apreende no sol mesmo a plenitude da luz mesma, pois tal luz é sempre desproporcional à visão. Acontece até que, prejudicada pela catarata, não vê a luz nas cores. Às vezes, obscurecida por algum vapor, vermelho ou amarelo, emite um juízo confuso ou diverso da realidade. Em outros casos, ou porque se concentra na imaginação interior, parece não ver os objetos exteriores, ou porque se dispersa ao mesmo tempo sobre objetos muito distantes, mal distingue um dos dois, e se se volta com mais atenção para um, já quase não atenta para o outro.
Do mesmo modo, o intelecto humano nunca apreende completamente a incommensurável plenitude da luz divina que superabunda na natureza absoluta de Deus, pois ela ultrapassa em muito a capacidade da inteligência. Além disso, essa inteligência humana pode às vezes apreender essa mesma luz de Deus, quer como determinada nas ideias das coisas criadas, quer como condensada nos anjos, quando, um pouco à maneira dessas ideias e desses anjos, está livre da influência dos corpos. Mas quando está, como agora, unida a um corpo composto de elementos, a proporção entre ela e essa luz é impedida como por uma espécie de catarata, a ponto de não poder absolutamente compreender as razões ideais e as substâncias angélicas totalmente separadas da matéria. Por isso, sempre que, na medida de suas forças, imagina algumas de suas propriedades, vê-as tão envoltas pelas imagens da fantasia, como por tantos vapores e nuvens, que é forçada a vê-las ou de modo confuso ou diverso do que são.
Finalmente, se consegue dissipar por algum tempo as nuvens da fantasia, no entanto, como no mesmo tempo está ocupada com seu difícil dever de governar o corpo e dividida entre o vai e vem das imagens sensíveis, que continuamente a paralisam, e a intuição dos inteligíveis, mal recebe as influências superiores; quase não as percebe e, como dizem os platônicos, por uma espécie de lampejo súbito que logo se esvai. Não se deve, pois, achar espantoso que aqui não percebamos a clareza das realidades divinas e nunca ou quase nunca saboreemos essa doçura que, graças a elas, se goza lá. Por causa da matéria informe, tão estranha à inteligência quanto às realidades divinas, a inteligência, como uma língua paralisada pela pituíte, não pode saborear a verdade e o prazer dessas realidades, mas recuperará enfim o gosto salutar do néctar, quando estiver completamente livre das humores mortais do Letes e não apenas desejar essa fonte divina por uma sede natural, que em si é penosa, mas também a escolher, graças a um certo hábito de sede moral e religiosa, como mais desejável que as outras, ou mesmo como a única.
É isso que significa a passagem do Fedro onde Platão diz que as almas que emergiram da onda do Letes voam mais alto e lá executam primeiro com as divindades celestes uma revolução celeste, depois com os seres supracelestes uma revolução supraceleste, isto é, numa ordem tal que cada uma cumpre sua revolução com cada divindade e recomeça sem fim. Isso significa simplesmente que as almas livres dos corpos elementares habitam doravante a região celeste em veículos celestes, tendo recuperado sua figura particular, circular, e que umas e outras, em união com as estrelas e outras divindades que lhes são mais familiares, seja por natureza, seja por hábito, concordam em dar ao mundo uma direção segura ou raciocinam semelhantemente sobre as formas das coisas. Além disso, concordam com as divindades supracelestes, isto é, com os anjos, na contemplação das ideias e numa espécie de revolução instantânea. Assim, com as divindades celestes e supracelestes, cumprem felizes ambas as operações.
Platão acrescenta que se alimentam com os deuses das mesmas iguarias, isto é, da ambrosia e do néctar. Pensa que a ambrosia é a contemplação clara e suave da verdade, o néctar uma providência superior e benevolente. Nessa passagem expõe-se também o antigo mito celebrado por Platão, sobretudo no Político, a saber, que a revolução atual do universo de leste a oeste, que é a de Júpiter, é fatal, mas que um dia haverá outra, contrária, de oeste a leste, que será a de Saturno, na qual os homens nascerão espontaneamente e progredirão da velhice à juventude, e os alimentos lhes serão oferecidos por si mesmos à vontade durante um eterno primavera.
Creio que para ele Júpiter é a alma do universo, cuja lei fatal organiza aqui a ordem visível deste universo visível. Afirma ainda que a vida das almas nos corpos elementares é joviana, entregue aos sentidos e à ação; mas que Saturno é o intelecto superior, repartido entre os anjos; que são seus raios que, além dos anjos, iluminam e inflamam as almas e as elevam continuamente, conforme suas capacidades, à vida intelectual. Cada vez que se voltam para essa vida, diz-se que vivem sob o reinado de Saturno, na medida em que vivem pela inteligência. Por isso, diz-se que nessa vida se regeneram por si mesmas, porque seu aperfeiçoamento depende de sua decisão. Além disso, rejuvenescem dia a dia, se é que nesta vida se pode contar por dias, isto é, tornam-se cada vez mais florescentes. Daí a palavra do apóstolo Paulo: “O homem interior renova-se de dia em dia”. Finalmente, seu alimento oferece-se a elas em abundância durante um eterno primavera, pois não é pelos sentidos e uma disciplina penosa, mas por uma luz interior, com a mais perfeita tranquilidade e o mais completo prazer, que desfrutam do maravilhoso espetáculo da própria verdade. A inteligência que se liberta quanto pode aspira o perfume dessa vida, mas só a inteiramente livre saboreia seu sabor.
Platão acrescenta no Banquete que as almas purificadas, que amaram sobretudo a beleza divina, mergulham enfim completamente no oceano da beleza divina e não apenas bebem as bebidas divinas, mas também as comunicam aos outros. Mas é no Epinômide que define o cúmulo da beatitude, ao dizer que a alma inteiramente purificada, tanto pela estabilização de toda variabilidade quanto pela redução de toda multiplicidade, se recolhe completamente na unidade particular, superior ao intelecto, e por ela já se transporta para a unidade divina, superior ao mundo inteligível, e vive mais por Deus que por si mesma, porque lhe foi unida de modo verdadeiramente maravilhoso, que ultrapassa a inteligência.
Todavia, Platão pensa que esse vínculo é efeito de uma espécie de luz divina que se reflete na inteligência, como se, inteiramente abrasada pelo amor divino, se transformasse em Deus. Daí que no Fedro colocou o amor divino bem antes de todos os graus do delírio divino e todos os bens da alma. Aqui se ocultam principalmente os mistérios platônicos, que exporei resumidamente.
Primeiro, assim que as inteligências separadas se voltam para si mesmas, graças ao raio natural que lhes é próprio, semelhantes aos animais que veem claro à noite, veem poucas coisas e ainda como num nevoeiro, na medida em que sua natureza representa essas coisas sob uma espécie determinada e sob formas de seres por assim dizer informes. Mas voltando-se depois, graças ao próprio raio, para a claridade comum a todas as espécies de inteligências superiores, veem então nitidamente, como em pleno dia, graças a essa claridade, tudo o que foi criado pelo próprio autor dessa claridade.
Mas a luz mesma, que é fonte dessa claridade e que essas inteligências buscam naturalmente e não podem portanto desejar em vão, não podem alcançar, erguendo os olhos, porque lhes é impossível, por uma claridade exterior a Deus, pelo fato mesmo de lhe ser exterior, penetrar completamente a luz íntima de Deus, nem apreender por sua claridade tão reduzida a luz tão ampla de Deus, pois a luz mesma, por mais ampla que seja em Deus, se acha reduzida nas inteligências.
Todavia, amando ardentemente essa luz, ainda que obscuramente percebida, essas inteligências são completamente abrasadas por seu calor e, uma vez abrasadas, o que é próprio do amor, transformam-se em luz. Fortalecidas enfim por essa luz, adquirem já, pelo amor, o que mal podiam seguir de longe com o olhar, de modo que se tornam muito facilmente pelo amor a própria luz que antes se esforçavam por seguir com a vista.
Tão grande é a força do amor, tão grande sua facilidade e felicidade, tão grande mesmo, para falar mais corretamente, a potência da luz amada! A inteligência, de fato, amando a luz, não se inflama e transporta tanto a si mesma quanto é inflamada e transportada e resplandece pela luz que a atrai suavemente, a fere violentamente e a penetra profundamente.
Mas porque toda a eficácia da percepção e do gozo, que reside nos sentidos externos, existe ainda mais na fantasia e é muito mais poderosa na inteligência, sobretudo quando livre, e porque, além disso, as razões das coisas sensíveis e dos prazeres estão em Deus de modo perfeito, segue-se que a inteligência, tornada livre, ao tomar posse de Deus, sente plena e maravilhosamente, à sua maneira, todos os maiores e mais autênticos prazeres dos sentidos. E quando se trata de Deus, não é apenas uma deleitação imaginária que a lisonjeia, como a que provém da vista, da audição ou do olfato, pois isso não basta, mas uma espécie de deleitação substancial, semelhante à do gosto e do tato. Gosto ou tato, digo, não de um objeto contíguo, como nos sentidos, mas de algo que penetra profundamente e é penetrado. Penetrado, digo, por um bem total e incomensurável, trazendo consigo uma felicidade total e incomensurável.
