renascenca_platonica:marsilio_ficino:ficino-tp18-8-2-os-nove-graus-na-patria

Ficino (TP:18.8.2) –Os nove graus na pátria

Portanto, não apenas entre os cristãos, mas também entre os platônicos, encontram-se nove ordens de bem-aventurados, tanto entre os anjos quanto entre as almas, pela razão, creio, de que no além a contemplação divina se realiza principalmente de nove maneiras. Certamente, assim como na medida em que a fineza de nosso espírito o permite, procuramos descobrir, a partir do poder, da ordem e da utilidade das coisas, o poder, a sabedoria e a bondade de Deus, do mesmo modo, em sentido inverso, a partir da bondade, da sabedoria e do poder de Deus, enquanto causa final, eficiente e exemplar do universo, os bem-aventurados também reconhecem essas três qualidades nas coisas, de tal modo que uns consideram sobretudo a bondade divina em si, outros a relacionam principalmente às coisas mesmas, enquanto outros relacionam principalmente as coisas a essa bondade como a seu fim, cada um deles considerando, no entanto, todas essas coisas simultaneamente. A contemplação da bondade divina realiza-se, portanto, de três maneiras, o que permite distinguir três primeiras ordens de bem-aventurados. Do mesmo modo, o poder também é considerado sob três aspectos, e a sabedoria igualmente. Disso resulta, portanto, a contagem de seis ordens de bem-aventurados a mais. A essas nove ordens de bem-aventurados, os platônicos atribuíram, de maneira conveniente, ao que parece, oito regiões celestes, além de uma nona que imaginaram acima do céu. Os órficos contam oito céus e, abaixo da lua, o éter. Os cristãos contam nove círculos abaixo do empíreo. Todos esses bem-aventurados são, de fato, impelidos preferencialmente por um hábito idêntico, como por uma leveza natural, para a região onde habitam os anjos, aos quais se tornaram sobretudo semelhantes durante sua vida. É da mesma maneira também que os cristãos pensam que as almas cuja vida se assemelhou à dos demônios são, por causa dessa mesma semelhança, arrastadas como por um peso natural para nove ordens de demônios réprobos. Mas falaremos disso em outro lugar.

Que haja nove graus de beatitude, eis ainda, em minha opinião, uma prova. Tememos o poder de Deus, buscamos sua sabedoria, amamos sua bondade. Somente o amor de sua bondade transforma a alma em Deus. Por isso, o amor mesmo, sem a busca e o temor, devolve a alma à sua pátria, e não o contrário. Disponhamos agora, em ordem, os graus pelos quais se sobe ao céu. Coloquemos no primeiro degrau os que amam sobretudo a bondade, que depois temem o poder e que, por fim, buscam a sabedoria; no segundo, os que antes de tudo amam a bondade, mas se comportam de modo semelhante em relação aos dois outros atributos; no terceiro, os que são igualmente inclinados à bondade e que depois buscam a sabedoria e, por fim, temem o poder; no quarto, os que têm o mesmo comportamento em relação aos três atributos; no quinto, os que amam primeiro a bondade e depois temem o poder; no sexto, os que amam antes de tudo a bondade, mas buscam em segundo lugar a sabedoria; no sétimo, os que amam a bondade absolutamente e de modo totalmente natural; no oitavo, os que são tocados primeiro pelo poder, depois pela bondade e, por fim, pela sabedoria; e, finalmente, no nono, os sobre os quais a sabedoria primeiro, depois a bondade e, por fim, o poder exercem sua influência.

Creio que esse mistério está representado no Evangelho, quando o oráculo divino declara seus discípulos nove vezes bem-aventurados, porque por nove graus de méritos, com a ajuda de Deus, os nove céus são alcançados com beatitude segundo nove graus de contemplação. Mas eis que o chamado do Santo Evangelho parece convidar-nos a deixar de lado as digressões filosóficas para buscar a beatitude por um caminho mais breve, que é a via pela qual nos guiam os teólogos cristãos e, em primeiro lugar, Tomás de Aquino, glória da teologia cristã.

/home/mccastro/public_html/platonismo/data/pages/renascenca_platonica/marsilio_ficino/ficino-tp18-8-2-os-nove-graus-na-patria.txt · Last modified: by 127.0.0.1