Ficino (TP:18.8) – Em Deus, cada um é satisfeito
Lá no Alto, cada um obtém tudo o que deseja. Os filósofos verdadeiramente apaixonados pela verdade veem lá em cima, na verdade primeira, procriadora das verdades, tudo o que é verdadeiro. Lá os homens políticos, que se dedicam ao governo e ao exercício do poder, tornam-se com aquele que por sua onipotência governa o universo, governantes muito poderosos. Lá, os homens ávidos por vitória e glória triunfaram finalmente de todos os obstáculos. Conhecem todos os bem-aventurados, e todos os bem-aventurados os conhecem. Lá, se lá chegarem, os que buscam os prazeres gozarão na própria causa dos prazeres o prazer mais completo. Pois assim como os corpos são as sombras das coisas divinas, assim também os prazeres dos sentidos são as sombras da felicidade divina. Porque a inteligência é muito mais eficaz que o sentido, assim como o bem verdadeiro e absoluto é numa medida inimaginável mais poderoso e agradável que qualquer bem falso.
Além disso, o intelecto penetra seu objeto por todos os lados, pois distingue as propriedades intrínsecas das extrínsecas e as propriedades que lhe são próprias daquelas que lhe são estranhas, o que o sentido nunca faz. Da mesma forma, o inteligível, devido à pureza e ao poder admiráveis do intelecto, penetra em suas profundezas, o que o sensível não pode efetivamente fazer pelo sentido. Por isso, o prazer do intelecto puro em relação ao supremo inteligível não só é contínuo e puro, o que não ocorre nos sentidos, mas também íntimo e total, sendo apreendido por completo ao mesmo tempo, superando o prazer dos sentidos muito mais que a doçura dos sabores supera os vãos atrativos dos perfumes.
Geralmente, quando somos reintegrados num hábito que nos é próprio, seja como for, ficamos repletos de alegria. Ora, não se pode imaginar reintegração mais perfeita do que quando a alma, que havia decaído da ideia e até de si mesma, é reintegrada completamente em sua ideia e em si mesma. Então ela se alegra novamente com a própria ideia da alegria e num único bem goza de todos os bens. E como aquilo que desejamos nos dá prazer e desejamos tudo enquanto bem, somos preenchidos com uma alegria suprema onde, já que há o bem total, obtemos de maneira perfeita tudo o que se pode desejar. Na verdade, as diversas inteligências gozam do bem total principalmente segundo a essência do bem, mas gozam em particular dos graus do bem segundo suas diferentes ideias, e, como amam sobretudo diferentes graus do bem total, também vão ao soberano bem por caminhos diferentes. Em suma, para resumir, há realmente apenas um bem do qual todos os bem-aventurados gozam, bem do qual uns e outros gozam segundo modos e razões muito diversos, devido ao desejo ou ao objeto que atrai uns e outros de maneira diferente. “Cada um é atraído pelo seu próprio prazer”. É assim, como diz Platão, que toda inveja está ausente do coro dos deuses, pois nesse coro, graças ao afeto que nutrem mutuamente, cada um se alegra com a felicidade dos outros como com a sua própria.
Além disso, onde cada um obtém à vontade tanto o que amou quanto segundo a razão mesma pela qual o escolheu e na medida em que o deseja, lá, sem inveja e longe de toda cobiça, todos vivem absolutamente contentes e saciados. Lá, de fato, a capacidade natural ou adquirida é completamente preenchida, e ninguém deseja uma capacidade maior. Cada um ama naturalmente mais o que lhe é próprio. Além disso, nada é mais agradável aos bem-aventurados, inflamados por um verdadeiro amor divino, do que querer o que sabem ser a vontade de Deus e possuir esse Deus amado tanto na medida de sua capacidade quanto segundo sua capacidade e a maneira como o próprio Deus quer ser possuído. Alegram-se também ao máximo por saber que seu bem não pode ser aqui completamente compreendido, preferindo que seu tesouro seja infinito em vez de finito.
