Ficino (TP:18,X) – Alma e seu corpo vaporoso
Também não se deve achar estranho, em sua opinião, que a alma forme como seu próprio corpo um corpo vaporoso, que sinta por meio dele, já que ele é mais maleável e mais próximo da alma, e que nesse corpo ela proporcione ao corpo, por intermédio de tal sopro, a vida e o sentido.
Se perguntarmos qual é a figura desse corpo, responderemos que, segundo os Magos, as diferentes figuras dos diversos animais são produzidas a partir de tais vapores. Primeiro, ele se assemelha ao animal cuja vida imitou em seus costumes e, tais pareceriam seus sentimentos e sua condição se pudessem ser percebidos por algum sentido; tal também ele molda para si mesmo uma figura correspondente nesse corpo, que é apenas uma sombra, na medida em que um corpo leve pode ser colorido e figurado conforme o desejo e o hábito violentos de uma alma. E, assim como durante a vida experimentou as paixões da carne, do mesmo modo sente as paixões desse corpo com tanto mais intensidade quanto mais puro é o corpo. Mas seus sentidos são de um gênero, sua carne de outro. É sem dúvida dessa maneira que se deve interpretar nos Antigos a transformação dos homens em bestas.
Alguns dizem que, propriamente falando, a alma não forma tal corpo e não sente por meio dele, que, além disso, assim como na magia, graças a uma certa disposição das estátuas, conveniente a certos demônios, os demônios estão, por assim dizer, acorrentados às estátuas, o que Hermes também reconhece, assim como Plotino, do mesmo modo, pela lei divina, as almas que se entregaram aos corpos estão sujeitas à água ou ao fogo, e isso de maneira tão servil que se indignam e se afligem intensamente. Seja como for, essa paixão é chamada por Orfeu de Fúria Tisífone, aquela que pune corporalmente. Ele acrescenta outras duas Fúrias que atormentam a alma no plano dos sentimentos: Megera, devido ao ódio e ao temor de um mal imaginário, e Alecto, devido ao desejo de um certo bem imaginário. Platão diz, e Plotino prova, que essas Fúrias são excitadas pelos demônios vingadores, e o próprio Orfeu, em um hino particular, descreve o demônio vingador.
As primeiras perturbações dessa alma assemelham-se às daqueles que a febre agita num delírio frenético ou que estão cheios de temor pela bile negra. Avicena reconhece que isso acontece e, quando Proclo diz que há demônios privados de razão, quer dizer que não há nada de espantoso em que as almas dos condenados percam a razão.
De fato, é quando a atividade dos cinco sentidos cessa que a atividade interior mais cresce e, se se adquire o hábito de fazer uso sobretudo da razão, então a contemplação se torna muito intensa; se se adquire o hábito de empregar a fantasia, então a imaginação se torna muito viva. É o que ocorre durante o sono, a ponto de tomarmos por realidades o que é apenas a imagem da realidade e, apavorados por visões horríveis, trememos, suamos, gritamos e nos levantamos. Os ímpios, ao morrer e após a morte, são assim e ainda mais vítimas do engano de imagens aterrorizantes.
Então, de fato, cessam as diversas tarefas da nutrição, as múltiplas atividades dos sentidos externos, o cuidado e a condução dos assuntos humanos; só permanece no ímpio, como pensam os platônicos, o poder da fantasia em loucura ou da razão imaginativa que, perturbada pelo ódio e pelo temor, já mencionados, revolve em si mesma uma longa série de imagens aterrorizantes. Ora vê o céu desabar sobre sua cabeça, ora é engolido pelos abismos profundos da terra, ora é consumido por um furacão de chamas, ora mergulhado no imenso golfo das águas ou agarrado por sombras demoníacas. Por isso ele arrasta seu corpo para cá e para lá através das coisas vis, aonde o levam o ímpeto de sua fantasia em delírio e o mau demônio, como dizem Hermes e Platão, que afirmam que, nessa circunstância, mesmo sem se dar conta, a fantasia e o mau demônio são os instrumentos da lei divina.
Isso é o que o ímpio sofre por causa do ódio e do temor que Megera lhe inspira. Quanto a Alecto, devido ao hábito indelével que os ímpios haviam contraído, experimentam de novo pelos corpos pensamentos e sentimentos desse tipo, como os velhos que, após terem passado a juventude na devassidão, são, na velhice, vítimas de um duplo castigo: ardendo no desejo das volúpias e privados de toda esperança de possuí-las, a menos que talvez delirem.
Assim, os infelizes no inferno são atormentados, em razão de seus maus hábitos, por diversos desejos dos bens humanos que na maioria das vezes não esperam poder obter, embora às vezes, como insensatos, imaginem quase alcançar o objeto de seu delírio, mas são imediatamente lançados de volta a penas mais cruéis. Testemunhas disso são Sardanapalo, que se vê tão longe dos abraços; Midas, do ouro; Tântalo, do banquete; Sísifo, do ápice do poder — tão grande é o poder da fantasia, tão intenso seu ímpeto, quer ela comande sozinha, quer só exerçam esse império um hábito da fantasia e um desejo contraído após um longo convívio da fantasia com a razão.
