Do nascimento do amor (Ficino)
Ficino, 1594
Mas voltemos a Diotima. Depois de expor que o amor pertence à ordem dos demônios, conforme as razões já mencionadas, ela descreveu sua origem a Sócrates da seguinte maneira. No dia do nascimento de Vênus, estando os deuses reunidos à mesa, Poro, filho do Conselho, embriagado de néctar, uniu-se a Penia no jardim de Júpiter. Dessa união nasceu o amor.
O dia do nascimento de Vênus refere-se ao momento em que a mente angélica e a alma do mundo, que por essa razão chamamos de Vênus, emergiram da suprema majestade de Deus. Os deuses estavam reunidos à mesa, ou seja, Céu, Saturno e Júpiter já desfrutavam de seus próprios bens. Quando surgiram a inteligência no anjo e a força geradora na alma do mundo—duas entidades chamadas Vênus—já existia o Deus supremo chamado Céu, bem como a essência e a vida no anjo, identificadas como Saturno e Júpiter. Além disso, a alma do mundo possuía o conhecimento das coisas superiores e o movimento dos corpos celestes, novamente vinculados a Saturno e Júpiter. Poro e Penia simbolizam abundância e miséria. Poro, filho do Conselho, representa um reflexo do Deus soberano. Deus é chamado de conselho e fonte de conselho porque é a verdade e a bondade de todas as coisas. Por seu esplendor, todo conselho se torna verdadeiro e orientado para alcançar a verdade. O jardim de Júpiter representa a fecundidade da vida angélica. Quando Poro, isto é, o raio divino, desce sobre essa fecundidade e se une a Penia, ou seja, à indigência que antes havia ali, nasce o amor. Inicialmente, o anjo existe e vive por Deus. Esses dois aspectos, essência e vida, são chamados de Saturno e Júpiter. O anjo possui a capacidade de compreender, que, segundo nossa interpretação, é Vênus. Se essa capacidade não for iluminada por Deus, permanece informe e obscura por natureza, como o olho antes de receber a luz solar. Essa obscuridade é identificada como Penia, uma carência de luz. No entanto, essa capacidade de entender, impulsionada por seu instinto natural, volta-se ao Pai e dele recebe o raio divino, que é Poro e abundância. Nesse raio, como em uma semente, estão contidas as razões de todas as coisas. Esse instinto natural se inflama com as chamas desse raio. O incêndio e o ardor que surgem da escuridão anterior e da centelha gerada são o amor, nascido da escassez e da plenitude.
No jardim de Júpiter, isto é, gerado sob a proteção da vida, pois o desejo de compreender nasce imediatamente após o vigor da vida. Mas por que Poro é representado embriagado de néctar? Porque exala o orvalho da vivacidade divina. E por que o amor é ao mesmo tempo rico e pobre? Porque não desejamos inteiramente o que já possuímos, nem aquilo que nos falta por completo. Cada um busca aquilo que lhe falta. Se alguém já possui algo totalmente, o que mais poderia desejar? E uma vez que ninguém deseja o que desconhece, é necessário que aquilo que amamos já seja, de algum modo, conhecido. Além disso, não basta apenas o conhecimento, pois muitas vezes odiamos o que conhecemos. É essencial que também seja julgado como bom e agradável para nós. Nem isso parece suficiente para um amor ardente, se antes não acreditamos que podemos facilmente alcançá-lo. Assim, quem ama algo certamente ainda não o possui por completo em sua própria existência. No entanto, conhece-o espiritualmente, julga-o agradável e alimenta a esperança de obtê-lo. Esse conhecimento, juízo e esperança constituem uma antecipação presente do bem ausente. Pois ninguém desejaria algo que não lhe agradasse, nem lhe agradaria se nunca tivesse experimentado. Como os amantes possuem parcialmente o que desejam e, em parte, não, diz-se que o amor é uma fusão entre pobreza e riqueza. Por essa razão, aquela Vênus superior, despertada pela primeira degustação do raio divino, é conduzida pelo amor à plenitude total da luz. Ao unir-se mais estreitamente ao Pai, resplandece imediatamente com seu esplendor absoluto, e as razões de todas as coisas, antes confusas e ocultas no raio que chamamos de Poro, tornam-se claras na capacidade inerente de Vênus e começam a brilhar com mais nitidez.
Do mesmo modo que o anjo em relação a Deus, a alma do mundo se relaciona tanto com o anjo quanto com Deus. Ao se voltar para o divino, também recebe seu raio, inflama-se e gera um amor que contém escassez e abundância. A partir daí, adornada pelas formas de todas as coisas, movimenta os céus e, por sua capacidade criadora, gera formas semelhantes na matéria dos elementos. Aqui voltamos a encontrar duas Vênus. A primeira representa a capacidade da alma de conhecer as coisas superiores; a segunda, sua capacidade geradora das inferiores. A primeira não é intrínseca à alma, mas uma imitação da contemplação angélica, enquanto a segunda é própria da natureza da alma. Assim, ao considerar apenas uma Vênus na alma, referimo-nos à sua capacidade natural, sua própria Vênus. Quando consideramos duas, uma é compartilhada com o anjo e a outra pertence exclusivamente à alma. Portanto, há duas Vênus na alma: a primeira, celeste, e a segunda, vulgar. Ambas possuem um amor. A celeste busca conhecer a beleza divina, enquanto a vulgar aspira a gerá-la na matéria do mundo. Assim como a primeira contempla o esplendor, a segunda deseja transmiti-lo à estrutura do mundo conforme suas capacidades. Ambas são impulsionadas a criar beleza, mas cada uma à sua maneira. A celeste procura gravar em sua inteligência, com extrema precisão, a beleza das esferas superiores. A vulgar, utilizando a fertilidade das sementes divinas, esforça-se para manifestar na matéria do mundo a beleza divina concebida por vontade divina. O primeiro amor às vezes chamamos de Deus, pois se direciona ao divino, mas na maioria das vezes o chamamos de demônio, pois está entre escassez e abundância. O segundo amor chamamos sempre de demônio, pois manifesta certa atração pelo corpo e se inclina para a região inferior do mundo, algo estranho a Deus, mas inerente à natureza dos demônios.
