Órgãos dos Sentidos
Plotino 4.3 23 (9-21)
Aqui está o que quero dizer. Quando o corpo dotado de uma alma é iluminado pela alma, uma parte desse corpo participa dessa alma de uma maneira e outra parte de outra maneira. E é de acordo com a aptidão de determinado órgão para realizar certa função – pois a alma dá a cada órgão a faculdade que corresponde à sua atividade – que a faculdade que se encontra nos olhos é chamada de faculdade de ver, a que se encontra nos ouvidos é chamada de faculdade de ouvir, a que se encontra na língua é chamada de faculdade de degustar, a que se encontra nas narinas é chamada de faculdade de sentir, e a faculdade de tocar está presente em todo o corpo, pois para esse tipo de percepção o corpo inteiro serve como órgão da alma.
Considerando, por um lado, que os órgãos do tato estão associados aos primeiros nervos, que também têm o poder de movimentar o ser vivo, porque é por meio deles que se comunica o poder de se mover, e, por outro lado, que esses nervos têm seu ponto de partida no cérebro, atribuiu-se ao cérebro e estabeleceu-se ali o ponto de partida da sensação, da impulsão e, de modo geral, da vitalidade do ser vivo como um todo, supondo que aquilo que iria utilizá-lo se encontrava ali onde, evidentemente, estavam os pontos de partida dos órgãos. Seria melhor dizer que é ali que está o ponto de partida da atividade dessa faculdade. Pois é no ponto a partir do qual seu instrumento será movimentado que deve, por assim dizer, a potência do técnico, aquela que serve para acionar esse instrumento, encontrar seu apoio. Melhor não dizer que a potência encontra ali seu apoio, pois a potência está em toda parte, mas dizer que o ponto de partida da atividade encontra-se ali onde está o ponto de partida do instrumento.
Com efeito, a faculdade de sentir e a faculdade da impulsão pertencem à alma que é capaz de sensação e representação, sendo esta uma realidade que tem acima de si mesma a razão, e pode-se dizer que é por sua parte superior que ela está próxima daquela que está acima. É por isso que os antigos a situaram no topo do ser vivo como um todo, na cabeça, não no cérebro, mas nessa faculdade de sentir que, como acabamos de explicar, está posicionada no cérebro. Por uma parte de si mesma, a alma deve se entregar ao corpo, ou seja, à parte do corpo que é mais capaz de receber sua atividade, mas por outra parte de si mesma, que de maneira alguma mantém comércio com o corpo, ela deve manter comércio, em todos os casos, com essa realidade superior, que é uma espécie de alma, uma espécie de alma capaz de perceber o que vem da razão.
O que na alma é apto a sentir é, por assim dizer, apto a formar julgamentos, e o que é apto a formar representações é, por assim dizer, apto a fazer uso do intelecto; isso equivale a dizer que a impulsão e o desejo vêm depois da representação e da razão. É ali que se encontra o que raciocina, não como em um lugar físico, mas porque o que está ali se beneficia disso. Já foi dito em que sentido deve-se entender o termo “ali” quando aplicado àquilo que é capaz de ter sensações. Além disso, a parte vegetativa da alma, aquela que cuida do crescimento e da nutrição, não está ausente de nenhuma parte do corpo, pois nutre-o por meio do sangue que circula nas veias, e considerando que o ponto de partida das veias e do sangue se encontra no fígado, e que essa faculdade está, por assim dizer, fixada ali, atribuiu-se à porção da alma relacionada ao desejo a residência nesse local. É evidente que aquilo que gera, nutre e faz crescer também deve ter o desejo dessas atividades.
Por fim, visto que o sangue é sutil, leve, vivo e puro, sendo o órgão adequado à agressividade, a fonte do sangue, ou seja, o coração – pois é ali que é secretado o sangue que apresenta essas características – foi produzida para ser o assento adequado à ebulição da agressividade.
