doutrina não escrita

Doutrina não escrita (agrapha dogmatá)

I. A filosofia de Platão se exprimiu na obra escrita e na doutrina oral. Embora a última não seja idêntica à primeira segundo os testemunhos existentes, deve-se supor que ambas constituam uma só doutrina. Na obra escrita ela aparece, sem exceção, de modo dialógico-problematizante e relativamente inconclusivo; a doutrina não escrita mostra, ao contrário, nítidos traços sistematizantes. Até a modernidade, essas diferenças foram pouco percebidas (Wippern 1972, p. vii ss.). Schleiermacher, na introdução à sua tradução de Platão (1804), foi o primeiro a ver como doutrina platônica apenas o “diálogo socrático”. Ele evidentemente não relacionou a CRÍTICA À ESCRITA do Fedro (da “fase inicial”, em sua cronologia) a esses diálogos.

Na época posterior, a importância da doutrina não escrita foi novamente salientada por Hermann (1839), Robin (1963), Stenzel (1924), entre outros, mas também foi decididamente negada, entre outros por Cherniss (1966). (A respeito dos testemunhos da doutrina não escrita, cf. as coletâneas: Gaiser 1963, Isnardi Parente 1997; 1998a, Arana 1998; a respeito da transmissão, Gaiser 1968b.)

À parte Platão (em quem, de modo compreensível mas errôneo, não se buscaram indícios escritos sobre o não escrito), a fonte mais importante é Aristóteles. Seu testemunho é variado, mas de difícil apreensão, pois não está nem em consonância com a obra escrita de Platão nem se desvia dela totalmente e, além disso, não é bem coerente em si mesmo. Não é concebível que Aristóteles tenha entendido mal a doutrina de Platão (Cherniss 1966). Deve-se lembrar que (1) muitas vezes os textos aristotélicos são formulados apenas como esboços, e os testemunhos platônicos derivam, em grande parte, da Metafísica, mal transmitida, (2) que ele não relata primordialmente, mas critica, e aqui ele “checa” de bom grado todos os pontos de vista imagináveis (cf. Cleary 2003, p. 12 ss.). Com isso ele não expõe raciocínios inteiros de Platão, mas disiecta membra. Para a reconstrução da doutrina não escrita, o “conteúdo de relato” de seus testemunhos deve, tanto quanto possível, ser separado de seu “conteúdo de crítica”.

Além dos testemunhos dos discípulos diretos de Platão, existem alguns do período helenístico (que valorizava pouco o elemento metafísico da tradição platônica em geral). Os comentários sobre Platão e Aristóteles do período imperial, Sexto Empírico, entre outros, são mais extensos e importantes (pelo motivo oposto; cf. Isnardi Parente 1997, p. 393 ss.).

Os termos em que estão formulados os testemunhos (archê: princípio-“início”, stoicheion: elemento-“letra”, aition-“causa”, synanaireisthai: “ser abolido junto” etc.) foram, como expressões técnicas, cunhados por Aristóteles. Eles também aparecem em Platão, mas fixados na obra escrita do modo tipicamente platônico, não terminológico. Não se pode dizer até que ponto Platão os empregou de maneira estritamente terminológica na doutrina não escrita (e desde quando, possivelmente sob influência de Aristóteles?). [SCHÄFER]