dynamis: capacidade ativa e passiva, daí 1) potência e 2) potencialidade
1. As «potências» fazem a sua primeira aparição com Anaximandro, não, como mais tarde, como qualidades de coisas, mas como as próprias coisas; opostos (ver enantia) que se diferenciam a partir do apeiron: o quente e o frio (Diels, frg. 12A10) e têm quase o estatuto de elementos. Com Anaxímenes (Diels, frgs. 13A5, A7, BI) começou a distinção entre as substâncias (terra, fogo, água) e as suas qualidades («potências»), quente e frio. A teoria dos elementos (ver stoicheion) de Empédocles desviou a atenção para as substâncias afastadas das qualidades dinâmicas, mas com Anaxágoras o papel primordial é de novo atribuído aos poderes opostos (frgs. 8, 12, 15, 16). Os atomistas apoiam-se noutra tradição: a teoria pitagórica dos números tinha, com efeito, reduzido as diferenças qualitativas às quantitativas (ver arithmos) e Demócrito segue-os ao reduzir as qualidades perceptíveis ao contato (haphe) com as formas geométricas (Diels, frg. A135; cf. pathos); já não são dinâmicas mas simplesmente convencionais (nomos), ibid. B9.
2. Platão tem consciência das dynameis tanto como termo médico (Fedro, 370c-d, e ver eidos) como na sua relação com os elementos (Tini. 33a), e estas potências, também chamadas pathe, existem no Receptáculo (hypodechomene) antes de Nous (nous) começar a sua obra. Mas uma vez formados os corpos primordiais, estas forças desaparecem e as qualidades sensíveis ficam reduzidas, à genuína moda atomista, às formas geométricas das partículas elementares (ibid. 61c-68d; ver genesis).
3. Em Aristóteles as potências (geralmente chamadas poion ou pathos) são de novo centrais. Os stoicheia de Empédocles eram irredutíveis e os de Platão redutíveis a figuras geométricas (Timeu 53c-56c); a ambos Aristóteles opôs a sua própria teoria da composição dos stoicheia a partir de 1) matéria subjacente e 2) a presença de um de cada conjunto das potências: quente-frio, seco-úmido (De gen. et corr. 329a-330a). Assim a transformação ou redução de um elemento noutro consiste na passagem de um oposto a outro no substrato (ver hypokeimenon, gênesis).
4. Todos estes usos referem-se à dynamis como uma «potência», mas na Metafísica Aristóteles desenvolve outro sentido da dynamis, i. e., potencialidade, e distingue as duas na Metafísica 1045b- 1046a; a potencialidade não pode ser definida, mas apenas ilustrada (ibid. 1048a-b), v. g. o que acorda é potencialmente o que dorme; a passagem da potência à atualidade (energeia) dá-se quer através da arte quer por meio de um princípio inato (ibid. 1049a); a energeia é lógica e ontologicamente anterior à dynamis (ibid. 1049a-1050a), daí a necessidade de um primeiro motor (ver kinoun) sempre num estado de energeia (ibid. 1050b).
5. A doutrina estoca das «potências» levou a teoria aristotélica dos elementos a dar um passo em frente; cada stoicheion tinha um poder em vez de um cada um dos conjuntos opostos: o fogo tinha o calor, o ar tinha o frio (estas eram as qualidades ativas – poiein); a Terra tinha o seco e a água o úmido (qualidades passivas (paschein); ver SVF II, 580), e a ênfase posta sobre o fogo no sistema (ver pyr) é nitidamente por ele ser a potência mais ativa. De fato, os estoicos reduziram toda a realidade a duas archai básicas: a ativa (poiouri) e a passiva (paschein; cf. D. L. VII, 134).
6. Vemos então que para os Milésios e seus sucessores a dynamis era uma força ativa nas coisas, primeiro pensada como uma entidade natural à parte mas depois aperfeiçoada de Platão em diante, na noção de uma qualidade ativa (poiotes). Na filosofia pós-aristotélica, contudo, o nome é frequentemente aplicado ao grande número de motores e inteligências intermédios associados com as posições do aither ou com os daimones (daimon) que habitam o ar (ver nous), e identificados como anjos por Fílon (cf. De gigant. 6-9).
7. Mas havia outros fatores em causa na noção filoniana de dynamis. Na Escritura diz-se que Deus tem «poderes» traduzidos pelo Septuaginto como dynameis, e estas identifica-as Fílon com as ideai platônicas (De spec. leg. 45-48; para a distinção entre eidos e idea, ver noeton 2). Assim assumem o papel dos noeta transcendentes no espírito de Deus e, como os eide imanentes, tornam-se uma força criadora no universo. Em Fílon são estes últimos que dão ordem ao universo enquanto são, por seu turno, controlados pelo Deus transcendente (De fuga 101). O mesmo tratamento pode ver-se em Plotino. Os noeta que existem numa forma unificada no nous (ver noeton 5) cósmico são descritos como uma dynamis universal de capacidade ilimitada (Enéadas V, 8, 9). Mas cada um destes é potencialmente (e na sequência será atualmente) um eidos separado e assim uma dynamis individual (V, 9, 6) que mais tarde será operativa tanto no mundo noético como no sensível (IV, 4, 36).
8. Mas o mundo noético e sensível deriva, de acordo com a visão neoplatônica do universo, numa série uniforme e causal, de uma fonte única (ver proodos) e está ligado por uma sympatheia cósmica. Um corolário disto, e uma nota caracteristicamente simétrica, é o fato de todas as entidades na série, noeta e aistheta estarem também sujeitas ao impulso do regresso (epistrophe) à sua fonte. Epistrophe não chegava a ser um conceito novo. Está implícito na concepção pitagórica da alma como uma parte divina que tenta restaurar a sua verdadeira harmonia (harmonia). Pode encontrar-se também nas noções platônicas correlacionadas de katharsis, eros, dialektike e no apelo à «assimilação a Deus» (ver homoiosis). Mas aqui como algures, incluindo Plotino, o retorno, seja em que forma for, é uma função da alma consciente e particularmente da sua faculdade intelectual. Depois de Plotino, porém, é alargado a todo o horizonte da criação (ver Proclo, Elem. theol., prop. 39).
9. Havia, certamente, alguns precedentes para isto. Platão tinha concedido às plantas uma certa escolha de vida boa (Phil. 22b); a physis de Aristóteles opera no sentido de um telos, e falara, além disso, na gênesis no mundo sensível como imitação da atividade do nous divino (ver Metafísica 1050b e kinoun 9). Mas estes não foram os progenitores imediatos da epistrophe simétrica de Proclo; esses devem ser antes procurados no desenvolvimento posterior da noção de dynamis. Os estóicos já tinham desenvolvido uma teoria de logos spermatikoi que, um pouco à maneira da physis aristotélica, comandava o crescimento e o desenvolvimento das coisas. Mas aqui a ênfase é posta no elemento racional (logos); a partir do tempo de Posídônio este cede ao conceito mais dinâmico de uma força vital [zotike dynamis; ver sympatheia 3) em todos os seres que estão ligados pelas afinidades da sympatheia. Isto foi sistematizado num vasto corpo de conhecimento, o estudo das afinidades e antipatias inatas dos objetos naturais. Esta é a «física» dos fins da Antigüidade, associada ao nome de Bolus de Mendes.
10. Estas simpateticas dynameis não são, nesta fase, mágicas, mas em breve passam a sê-lo sob outras influências. A concepção religiosa dos fins da Antiguidade, talvez influenciada pelas primeiras exigências de que os deuses atuem de tal modo que preservem a sua imobilidade transcendente (ver nous 2), era que os deuses já não operavam diretamente mas através das suas dynameis nas coisas. Estas dynameis podiam ser e foram personificadas. Já nos referimos ao uso que Fílon faz delas (6 supra) e os filósofos acharam isso uma maneira conveniente de reconciliar os múltiplos deuses da mitologia com o seu próprio henoteísmo (ver os fragmentos de Sobre as Imagens dos Deuses de Porfírio; Macróbio, Saturnalia I, 17-23; Proclo, Theol. Plat. V-VI; também lhes deu vasto campo para exibirem as suas capacidades de etimologizar, então altamente desenvolvidas: ver onoma 7). É este ponto de vista religioso que recebe a sua clássica justificação teorética nas proposições 144-145 dos Elem. theol. de Proclo onde ele afirma que a característica distintiva dos poderes divinos (theiai dynameis) irradia para baixo na sequência ocasional e se encontra a todos os níveis da realidade.
11. Esta concepção das dynameis nas coisas vai muito além da física boleiana que tentava descobrir e usar, em grande parte para fins terapêuticos, a simpatia oculta entre objetos naturais; aqui encontramos a base teorética para a arte mágica da theourgia (ver mantike 4-5) que procura manipular os deuses através dos seus «símbolos» (symbola) ocultos nos objetos naturais e que, desde Jâmblico, figurou como padrão no repertório neoplatônico (ver De myst. V, 23; Proclo, In Timeu I, 139, 210).
Para os problemas relacionados com isto na história da dynamis, ver genesis, pathos, poiein, stoicheion; para o seu correlativo aristotélico, energeia. (Termos Filosóficos Gregos, F. E. Peters)