Enéada I, 2 (19) — Da Virtude (capítulo 1)

Tradução feita a partir de MacKenna

Segundo Tratado. Da Virtude.

1. Como o Mal aqui está, “assombrando este mundo pela necessária lei”, e é o desígnio da Alma escapar do Mal, assim devemos escapar.

Mas o que é este escapar?

“Alcançando a Semelhança a Deus”, lemos. E isto é explicado como “tornando-se justo e santo, vivendo pela sabedoria”, a natureza inteira fundamentada na Virtude.

Mas a Semelhança por meio da Virtude implica na Semelhança a algum ser que tenha Virtude? A que Ser Divino, então, nossa Semelhança seria? Ao Ser – não devemos pensar? – no Qual acima de tudo, tal excelência parece inerente, ou seja à Alma do Mundo e ao Princípio ordenando de dentro dela, o Princípio dotado da sabedoria mais maravilhosa. O que poderia se mais apropriado do que nós, vivendo neste mundo, devêssemos nos tornar Semelhante a seu ordenador?

Mas, no início, nos deparamos com a dúvida se mesmo neste Ser Divino todas as virtudes têm lugar – Equilíbrio-Moral (sophrosyne), por exemplo; ou Fortitude onde não pode haver nenhum perigo posto que nada é estranho; onde nada pode ser atraente cuja falta poderia induzir o desejo de posse.

Se, de fato, esta aspiração em direção ao Inteligível que está em nossa natureza existe também neste Poder-Ordenador, então não se precisa buscar em outra parte pela fonte da ordem e das virtudes em nós mesmos.

Mas este Poder possui as Virtudes?

Não podemos esperar descobrir Aí o que se denominam as Virtudes Cívicas, a Prudência que pertence à faculdade de raciocínio; a Fortitude que conduz a natureza emocional e apaixonada; a Sophrosyne que consiste em um certo pacto, em um acordo entre a faculdade apaixonada e a razão; ou a Retitude que é a devida aplicação de todas as outras virtudes de modo que cada uma por sua vez deveria comandar ou obedecer.

É a Semelhança, então, alcançada, talvez, não por estas virtudes da ordem social mas por aquelas qualidades maiores conhecidas pelo mesmo nome geral? E se assim é as Virtudes Cívicas não nos dão ajuda em absoluto?

É contra a razão, negar sobremaneira a Semelhança por estas enquanto admitindo-a pelo superior: a tradição pelo menos reconhece certos homens de excelência cívica como divinos, e devemos crer que estes também alcançaram de alguma forma a Semelhança: em ambos os níveis há virtude para nós, embora não a mesma virtude.

Agora, se admitimos que a Semelhança é possível, embora por um uso variado de diferentes virtudes e embora as virtudes cívicas não sejam suficiente, não há razão porque não deveríamos, pelas virtudes peculiares a nosso estado, alcançar a Semelhança a um modelo no qual a virtude não tenha lugar.

Mas o que é concebível?

Quando o calor vem fazer qualquer coisa quente, não é necessário algo para aquecer a fonte do calor?

Se um fogo aquece algo, deve haver um fogo para aquecer este fogo?

Contra a primeira ilustração pode ser retorquido que a fonte do calor já não contém calor, não por uma infusão mas como uma fase essencial de sua natureza, de modo que, se a analogia deve ser sustentada, o argumento faria a Virtude algo comunicado à Alma mas um constituinte essencial do Princípio do qual a Alma alcançando a Semelhança o absorve.

Contra a ilustração retirada do fogo, pode ser aventado que a analogia faria deste Princípio idêntico a virtude, enquanto o sustentamos ser algo superior.

A objeção seria válida se o que a alma toma fosse um e o mesmo com a fonte, mas de fato a virtude é uma coisa, a fonte da virtude totalmente outra. A casa material não é idêntica com a casa concebida no intelecto, e no entanto permanece em sua semelhança: a casa material tem distribuição e ordem enquanto a ideia pura não é constituída por qualquer de tais elementos; distribuição, ordem, simetria não são partes de uma ideia.

Assim conosco: é do Supremo que derivam ordem e distribuição e harmonia, que são virtudes nesta esfera: as Existências Lá, não tendo necessidade de harmonia, ordem e distribuição, nada tem com a virtude; e, no entanto, é por nossa posse da virtude que nos tornamos semelhantes a Elas.

Assim demonstra-se que o princípio que alcançamos a Semelhança pela virtude de modo algum implica na existência da virtude no Supremo. Mas nós temos de não apenas fazer uma demonstração formal: devemos persuadir assim como demonstrar.