Enéada I, 4, 2 — É legítimo considerar a sensação e a razão como critérios da felicidade?

2. No entanto, se recusam a boa vida às plantas pela razão de que carecem de sensação, correm o risco de não concedê-la tampouco a todos os animais. Porque se fazem consistir a sensação em que a experiência seja consciente, é preciso que a experiência mesma seja boa antes que consciente; quer dizer, que guarde conformidade com a natureza, ainda quando não seja consciente, e que seja apropriada ainda quando o sujeito desconheça que é apropriada e que é prazerosa (isso sim, deve ser prazeroso); de sorte que se essa experiência é boa e está presente, já o que a tem está em bom estado. Assim, que necessidade há de adicionar a percepção Consciente? A menos, está claro, que ponham o bem não na experiência havida ou no estado resultante, senão no conhecimento e na percepção consciente. Por isso precisamente equivaleria a identificar o bem com a percepção mesma e com uma atividade da vida sensitiva, e, em consequência, seja qual for o objeto da percepção.

Mas se alegam que o bem consta de ambas coisas, a saber, da percepção de tal objeto, como é que, sendo indiferente um e outro, dizem que é bom o conjunto de ambos? Mas se supõem que a experiência é boa e que o bem viver consiste em tal estado quando se conheça que o bem está presente, haverá que perguntar-lhes se se vive bem porque conhece que o bem presente está presente, ou se há que conhecer não somente que prazeroso, senão além do mais que esse é o bem. Mas se há que conhecer que esse é o bem, isso já não é obra da percepção, senão de uma faculdade distinta superior à da percepção. E, no entanto, o bem viver competirá não a quem desfrute de prazer, senão a quem seja capaz de conhecer que o prazer é o bem. Assim que a causa do bem viver não será o prazer, senão a faculdade de julgar que o prazer é o bem. E a faculdade que julga é de nível superior ao dessa experiência, porque é razão ou inteligência, enquanto que essa experiência é um prazer. Agora bem, em nenhum caso o irracional é superior à razão. Então, como poderá a razão preterir-se a si mesma e determinar que outra coisa incluída no gênero contrário ao seu lhe é superior? De todos os modos, não parece senão que aqueles que recusam o bem viver às plantas e aqueles que o classificam em um tipo determinado de sensação, sem se dar conta andam buscando o bem viver em algo superior e fazendo consistir esse algo superior em uma vida mais clara.

Passando a quantos o fazem consistir na vida racional e não meramente no viver nem sequer com vida sensitiva, pode ser que tenham razão. Mas convém lhes perguntar porque é assim e porque restringem a felicidade ao animal racional. Por que adicionar o de «racional»? Por que a razão é mais engenhosa e é sagaz para rastrear e assegurar-se as coisas primárias conformes com a natureza ou independentemente de sua habilidade para rastrear e dar alcance. Se é por sua maior destreza no encontrar, a felicidade competirá ainda aos seres carentes de razão, no caso de que por instinto e sem ajuda da razão deem alcance às coisas primárias conformes com a natureza. A razão será auxiliar e não será elegível por si mesma, nem ela nem seu aperfeiçoamento, que dizemos que é a virtude. Mas se disseres que a valia da razão não se deve às coisas primárias conformes com a natureza, senão que é bem vinda por si mesma, havereis de nos dizer que outra atividade é a sua, qual é sua natureza e que a faz perfeita. Porque não deve ser a consideração centrada nessas Coisas a que a faz perfeita, senão que sua perfeição deve consistir em outra coisa, outra deve ser sua natureza e ela mesma não deve ser uma dessas coisas primárias conformes com a natureza, nem uma das causas das coisas primárias conformes com a natureza nem deve, em absoluto, pertencer a essa classe de coisas, senão ser superior a todas elas. Ao contrário, não creio que eles cheguem ser capazes de explicar em que está a valia da razão. Mas a estes, enquanto não encontrem uma natureza superior a das coisas nas que agora se detêm, há que deixar-lhes que se mantenham aí onde querem se manter, desconcertados sobre como os vêm o bem viver àqueles dentre estes que são capazes de consegui-lo.