Enéada III, 1, 1: Todas as coisas têm ou não uma causa?

Capítulo 1: Todas as coisas têm ou não uma causa?
1-6. Ou todas as coisas têm uma causa, ou não têm.
6-13. Entre as coisas eternas, as primeiras não têm causa.
13-24. As coisas no devir, todas têm uma causa.
16-24. É necessário rejeitar, portanto, uma explicação pelos átomos, ou por uma tendência impulsiva da alma.
É necessário distinguir entre as causas próximas e as causa distantes.
24-36. As causas próximas.


1. Todas as coisas que devêm e todas aquelas que são, ou bem têm uma causa que dá conta de seu devir ou de seu ser, ou bem são umas e outras sem causa; ou bem, entre as coisas que devêm e as coisas que são, algumas ão sem causa, outras têm uma causa; ou bem ainda todas as coisas que devêm têm uma causa, ao passo que, entre as coisas que são, algumas têm uma causa e outras são sem causa, ou ainda não tem causa; ou bem enfim, inversamente, todas as coisas que são têm uma causa, ao passo que, entre as coisas que devêm, umas têm uma causa, ao passo que, entre as coisas que devêm, umas têm uma causa e as outras não, ou mesmo nenhuma tem causa.

Quando, portanto, se trata das coisas perpétuas, não é possível referir as primeiras a outras causas, pois elas são primeiras; entretanto, todas aquelas que dependem das primeiras devem receber seu ser daquelas. E se alguém define as atividades de cada uma delas, deve referi-las às suas essências; porque isto é seu ser: liberar uma atividade específica. Todavia, acerca das que devêm ou das que são sempre mas não realizam sempre a mesma atividade, deve-se dizer que todas surgem segundo uma causa e não se deve admitir o incausado, nem dar espaço para desvios vazios, nem a um movimento súbito dos corpos que aconteça sem causa precedente, nem a um ímpeto impulsivo da alma sem que nada a tenha movido para praticar algo daquilo que antes não fazia. Se não, por isso mesmo a teria uma necessidade maior, a de não ser de si mesma, mas ser movida por movimentos tais que sejam involuntários e incausados. Pois aquilo que a moveu ou foi o que é volível – quer seja isso externo, quer interno – ou o que é desejável; caso contrário, se nada apetecível a tivesse movido, ela não teria se movido em absoluto.

Se todas as coisas surgem segundo uma causa, é fácil tomar as causas próximas a cada uma e referi-las àquelas: por exemplo, a de caminhar até a ágora é o pensamento de que é preciso ver alguém ou cobrar uma dívida; e, em geral, a de escolher isto ou aquilo e tender a isso outro é que pareceu bom a cada um fazer exatamente isso. E algumas causas devem ser referidas às artes: a da cura são a medicina e o médico. E a de enriquecer é um tesouro encontrado, ou uma doação de alguém, ou lucrar de trabalhos ou de arte. E a do filho é o pai e se algo extrínseco de uma ou outra origem cooperou para a procriação: por exemplo, uma alimentação específica ou, um pouco mais remotos, um sêmen propício à procriação ou uma mulher apta ao parto. E, em geral, à natureza.