Enéada IV, 1, 1 – Como se diz que a alma é intermediária entre a realidade indivisível e a realidade divisível

Tradução a partir da versão de Guthrie

Quarta Enéada Primeiro Tratado. Da essência da alma1.

É no mundo inteligível [kosmos noetos] que habita o verdadeiro ser [ousia]. A inteligência [noûs] é o melhor que existe no alto; mas também há almas [psyche]; pois é de lá que desceram para ali. Apenas, as almas não têm corpos [soma], enquanto aqui embaixo elas habitam corpos e estão divididas aí. No alto [ekei], todas as inteligências existem juntas, sem separação ou divisão; todas as almas existem igualmente juntas naquele mundo que é uno, e não há distância local entre elas. A inteligência, portanto, permanece sempre inseparável e indivisível; mas a alma, inseparável enquanto ela reside no alto, não obstante possui uma natureza divisível. Para ela, “dividir-se” consiste em sair do mundo inteligível e unir-se aos corpos; pode-se, portanto, razoavelmente dizer que ela se torna divisível em passando a corpos, visto que ela se separa do mundo inteligível e se divide de alguma maneira. De que maneira ela também é indivisível? Nisso que ela não se separa inteiramente do mundo inteligível, sempre residindo lá por sua parte superior, cuja natureza é ser indivisível. Dizer então que a alma é composta de (essência) indivisível e de (essência) divisível em corpos significa então não mais do que a alma tem uma (essência) que habita parcialmente no mundo inteligível e parcialmente desce ao mundo dos sentidos, que está suspensa desde a primeira e se estende para baixo até a segunda, conforme o raio vai do centro à circunferência. Quando a alma desce aqui embaixo, é por sua parte superior que ela contempla o mundo inteligível, pois é assim que ela preserva a natureza do todo [holon] (da Alma universal). Pois aqui embaixo ela não é apenas divisível, mas também indivisível; sua parte divisível é dividida de uma maneira um tanto indivisível; ela está, de fato, inteiramente presente em todo o corpo de maneira indivisível e, no entanto, diz-se que ela se divide porque se espalha inteiramente por todo o corpo.


  1. Segundo Brisson & Pradeau, a numeração deste tratado mudou conforme as edições, tomando por vezes o lugar do Tratado-4 nas Enéadas; em sua edição, Porfírio parece ter hesitado sobre o lugar que devia merecer este capítulo isolado, que é sem dúvida um esboço de um texto maior, e escolheu fazer dele o segundo tratado da quarta Enéada. Ficino o editou por seu lado no início da quarta Enéada; é esta numeração que é aqui adotada.