Enéada IV, 7, 3 — Refutação das definições epicuriana e estoica da alma

3. E se alguém dissesse que assim não se passa, mas que são átomos ou coisas indivisíveis que produzem a alma, quando elas se reúnem e em se unificando e em partilhando suas afecções, também seria refutado pelo fato que se trata de uma justaposição, mas que não forma um todo, porque nada disto que é um e partilha suas afecções não pode nascer de corpos que são desprovidos de afecção e que não podem formar uma unidade, enquanto a alma partilha suas afecções com ela mesma. De coisas desprovidas de partes, nem corpo nem mesmo grandeza não poderiam nascer.

E no entretanto, se dizem, posto que este corpo é simples, que não é isto que é material nele que possui de si mesmo a vida — posto que a matéria é desprovida de qualidade —, mas que é isto que nele tem o nível de forma que lhe confere a vida; se dizem que a realidade é esta forma, não isto que é composto de dois elementos, mas um dentre eles, então esta realidade será a alma. E esta realidade não poderia verdadeiramente ser um corpo, posto que ela não pode ser originária da matéria, pois se tal fosse o caso seria preciso de novo dividi-la da mesma maneira. Mas se dizem que é uma afecção da matéria e não uma realidade, então devem dizer de onde esta afecção e a vida vieram à matéria, pois assim é fato que matéria não se configura por ela mesma. É preciso portanto que haja algo que dispensa a vida, quer seja à matéria que ele a dispensa ou a um corpo qualquer, e esta coisa deve existir fora e além de toda natureza corporal. Pois não haveria mesmo corpo se não existisse uma potência psíquica. O corpo discorre e sua natureza reside no movimento; e ele pereceria imediatamente se todas as coisas fossem corpos, até mesmo quando se desse a um deles o nome de alma. Pois este corpo seria afetado da mesma maneira que os outros corpos se eles tivessem a mesma matéria. Ou melhor, ele nem mesmo nasceria, mas todas as coisas nele permaneceriam ao nível da matéria: e o universo que é o nosso seria destruído se se o confiasse a um corpo a ligação de suas partes, dando o nível e até o nome de alma ao ar e ao sopro, que é o corpo mais divisível que seja e que não tem por ele mesmo qualquer unidade. E posto que todos os corpos se fracionam, como alguém poderia confiar o universo que é o nosso a um dentre eles sem dele fazer uma coisa desprovida de intelecto e movida pela aventura? Pois qual ordem poderia haver em um sopro que tem necessidade da ordem originária da alma? E qual razão ou qual intelecto? Ao contrário, se a alma existe, todos estes corpos se tornam seus auxiliares na ordenança do mundo como de cada vivente, uma potência contribuindo com outra para a completude do conjunto. Mas se a alma não estivesse presente no conjunto dos corpos, estes corpos não seriam nada, e eles não estariam certamente em ordem.