Enéada VI,9,1 — Todos os seres são seres em virtude da unidade

Capítulo 1: Todos os seres são seres em virtude da unidade
1-17. Toda coisa é na medida em que é “uma” coisa; sem unidade, nada poderia ser.
17-30. A alma dá sua unidade às outras coisas, mas ela não é ela mesma a unidade.
30-43. É em participando na unidade que a alma é una, pois ela é nela mesma uma realidade múltipla.

1. É em virtude da unidade que todos os seres são seres assim como aqueles que são seres no sentido primeiro do termo que aqueles que são ditos ser de alguma maneira entre os seres. E com efeito, o que poderia ser, sem ser um? Pois, desprovidas de unidade, que se diz delas, as coisas que eis aí não são: certamente, não há exército, se ele não é uno, não há coral ou rebanho, se não são unos. Mas não menos casa ou navio, se não têm a unidade, porque a casa é una e o navio é uno, e se perdessem a unidade, a casa não seria mais uma casa nem o navio um navio. Logo não haveria grandezas contínuas, se a unidade não estivesse presente nelas; pois é um fato que, se elas são divididas, elas mudam de ser na medida em que perdem a unidade. E assim vai da mesma maneira ainda para os corpos das plantas e dos animais; sendo dado que cada um dentre eles é uno, se fossem a unidade em se fragmentando em uma multiplicidade, perdem a realidade que era a sua e que possuíam, e não são mais o que eram; se tornam outras coisas, e estas coisas também não são senão na medida que são unas. E a saúde se produz quando o corpo é coordenado na unidade; a beleza quando a unidade mantém unidas as partes; e a virtude para a alma, quando, se orientando para a unidade e um acordo único, ela se encontra unificada.

— Mas então, posto que é a Alma que conduz todas as coisas à unidade, em as produzindo, em as confeccionando, em lhes dando a figura e a ordem, deve-se dizer, uma vez chegado à Alma, que é ela que dispensa a unidade e que é ela que é a unidade?

— Não é preciso de preferência admitir que, assim como ela dispensa aos corpos muitas outras coisas que são diferentes dela, por exemplo a figura e a forma, sem ser ela mesma o que ela dá, da mesma maneira, se é verdadeiro que ela dá também a unidade, ela a dá como algo de diferente dela, e que é em girando seu olhar para a unidade que ela torna cada coisa una, assim como ela produz o homem em contemplando o Homem e em apreendendo, com o Homem, a unidade que nele está. Com efeito, entre as coisas das quais se diz que elas são unas, cada uma é una na medida em que possui o que ela é, de sorte que as coisas que «são» menos têm menos unidade, enquanto que as coisas que «são» mais têm mais unidade. E a Alma também, que é diferente da unidade, tem mais unidade na medida em que ela é mais verdadeiramente; mas ela não é certamente a unidade ela mesma. Pois a alma é una, e a unidade logo é de certa maneira um acidente; mas a alma e a unidade são duas coisas distintas, assim como o são o corpo e a unidade. E o que é dividido em partes, como um coral, é o que há de mais distante da unidade, enquanto o que é contínuo é mais próximo; a alma está ainda mais próxima, porque ela disto participa ela também. Mas se alguém quiser mostrar que a Alma e a unidade são a mesma coisa, e isso porque, se ela não fosse una, a Alma não poderia mesmo ser. seria necessário dizer então que as outras coisas também são, cada uma, porque elas são unas, mas que a unidade permanece diferente delas: com efeito, o corpo e a unidade não são a mesma coisa, mas o corpo participa da unidade. Seria necessário dizer em seguida que a alma é múltipla, mesmo aquela que é una, embora ela não seja composta de partes. Há com efeito muitas faculdades nela que são mantidas juntas pela unidade como por uma ligadura: raciocinar, desejar, perceber. Certamente a alma, porque ela é ela mesma una, introduz a unidade nas outras coisas também, mas recebe ela mesma a unidade de um outro.