Capítulo 2: A unidade é além do ser, do Intelecto e das formas.
1-14. A unidade pode coincidir com o ser e a realidade inteligível?
15-25. A unidade e o ser não são a mesma coisa, pois o ser é multiplicidade.
25-47. A unidade também não pode coincidir com o Intelecto, pois o Intelecto, que compreende as formas e “que é todas as coisas”, é multiplicidade.
2. Deve-se dizer, então, que, para cada uma das coisas cuja unidade não é senão aquela de suas partes, sua realidade não é idêntica à unidade, enquanto, no caso disto que é totalmente e de sua realidade, a realidade, isto que é e a unidade são idênticas, de sorte que, se se descobre isto que é, então também se terá descoberto a unidade, pois a realidade ela mesma é idêntica à unidade?
— Neste caso, se a realidade é o intelecto, o intelecto é também a unidade, posto que ele é isto que é primordialmente e que ele é primordialmente uno. Ele dá assim o ser às outras coisas na medida mesma em que lhes dá a unidade. Que se poderia dizer que é a unidade, com efeito, se ela não é estas coisas? Ou bem a unidade é idêntica ao ser — «homem» e «um homem» é com efeito a mesma coisa —, ou bem a unidade é como um número que corresponde à cada coisa, e como se diz «dois» de duas coisas, do mesmo modo se diz «um» de uma só coisa. Logo se o número faz parte das coisas que são, é evidente que a unidade também dele faz parte, e é necessário buscar o que ela é. Mas se, em revanche, o fato de contar não é senão uma atividade da alma que percorre as coisas, neste caso, a unidade não fará parte das coisas reais.
— O argumento não mostraria que, se uma coisa perdesse a unidade, ela não seria absolutamente?
— Logo é preciso ver se a unidade e o ser são idênticos em cada coisa, e se isto que é totalmente é idêntico à unidade. Mas se o ser em cada coisa coincide com a multiplicidade e que, em revanche, é impossível que a unidade seja uma multiplicidade, a unidade e o ser serão diferentes um do outro. Por exemplo, o homem é um animal e é dotado de razão, quer dizer que tem várias partes que estão ligadas na unidade; mas então o homem e a unidade são coisas diferentes, pois um é divisível, a outra indivisível. E certamente, isto que é totalmente, que tem nele mesmo todas as coisas que são, será ainda mais múltiplo e diferente da unidade, não possuindo essa senão por participação. Isto que é possui com efeito vida e intelecto, pois não está certamente morto; eis porque é múltiplo. Mas se é intelecto, neste caso também é necessariamente múltiplo; e o é ainda mais, se compreende as formas. Pois a forma não é una, mas ela é de preferência um número, assim como cada forma que a realidade das formas em seu conjunto, e é neste sentido que ela é una, como o mundo é um. Em resumo, a unidade é o que é primeiro, enquanto o intelecto, as formas, e isto que é não são primeiros. Pois cada forma é composta de vários elementos, e ela lhes é posterior; e estes elementos, das quais cada uma é composta, lhe são com efeito anteriores. Que seja impossível que o intelecto seja o primeiro, isso é evidente também disto que segue: o intelecto consiste necessariamente no ato de pensar, e o intelecto superior é aquele que, sem portar seu olhar sobre as coisas que lhe são exteriores, pensa isto que o precede; com efeito, se voltando para ele mesmo, se volta para o princípio. E se é isto que pensa e isto que é pensado, será duplo e não simples, e não será também não a unidade; em revanche, se porta seu olhar sobre outra coisas, se voltará em todos os casos para isto que lhe é superior e anterior; enfim, se se volta para ele mesmo e para isto que lhe é superior, neste caso também será posterior. Logo é preciso colocar um Intelecto deste gênero, que, por um lado, se aproxima do Bem e do Primeiro em portando sobre ele seu olhar, e que, por outro lado, esteja consigo mesmo, se pensa si mesmo e se pensa si mesmo como sendo todas as coisas. Logo está bem distante de ser a unidade, pois é multiforme. Logo a unidade não será todas as coisas, pois, neste caso, ela não serua mais una; nem ela não será o intelecto, pois, neste caso também, ela seria todas as coisas, posto que o intelecto é todas as coisas, nem ela não será o ser também não, pois o ser é todas as coisas.