Enéada VI,9,6 — Em que sentido se deve entender a unidade do Uno?

Capítulo 6: Em que sentido se deve entender a unidade do Uno?
1-7. A unidade do uno não a do ponto e da mônada.
7-16. O Uno é ilimitado quanto a seu potência.
16-30. O Uno é auto-suficiente, as outras coisas precisam do Uno.
30-37. O Uno não tem necessidade de um lugar.
37-42. Ele é acima do bem, mas é o Bem para as outras coisas.
42-57. O Uno precede o pensamento e não pensa; não tem alteridade nele; todas as coisas dele derivam.

6. — Em que sentido, então, empregamos «Uno», e como podemos acordá-lo a nossa intelecção? — É preciso entender «Uno» em sentidos numerosos que aqueles que fazem dizer que a unidade e o ponto são «unos». Pois, nestes dois casos, a alma, em subtraindo a grandeza e a multiplicidade numérica, chega ao que é o menor, e se apóia então sobre algo que é indivisível, mas que estava no divisível e logo que é em alguma outra coisa, enquanto o Uno não é nem «em um outro», nem no divisível, que também não é individual à maneira disto que há de menor. Com efeito, é a coisa maior de todas, não quanto a sua grandeza, mas quanto a seu poder, de sorte que mesmo o fato de não ter grandeza depende de seu poder. Pois mesmo as coisas que vêm depois dele são indivisíveis e desprovidas de partes quanto a seu poder, mas não quanto a sua massa. É preciso admitir ainda que é ilimitado, não porque não consegue medir a grandeza ou o número, mas em razão da ilimitação de seu poder. Com efeito se o concebes como Intelecto ou como deus, é mais que isso. E se, além do mais, o unificas pela razão, aí ainda é mais que o possas te representar dele, porque tem mais unidade que a noção que tens dele; com efeito, é por si e não tem nenhum atributo. E se poderia ainda conceber sua unidade por meio da noção de autarcia. Pois é preciso que seja a coisa mais independente, a mais autárcica e a mais desprovida de necessidade de todas. Tudo isto que é multiplicidade permanece na necessidade, tanto tempo quanto, de multiplicidade que era, não se tornou uno; logo é sua própria realidade que tem necessidade de ser una. Mas o Uno não tem necessidade dele mesmo, pois é ele mesmo. E certamente, as coisas que são múltiplas têm necessidade de tudo isto que faz parte desta multiplicidade; e cada uma das coisas nesta multiplicidade, na medida em que ela é com as outras coisas e não nela mesma, posto que ela tem necessidade das outras coisas, introduz a necessidade desta multiplicidade, assim como em cada uma de suas partes quanto em sua totalidade. Logo, se é preciso que haja algo que seja totalmente autárcico, isto deve ser o Uno, posto que ele é o único que é tal que não tem qualquer necessidade, nem em relação a ele mesmo, nem em relação a outra coisa. Com efeito, não busca algo que lhe permita ser, nem algo que lhe permita bem-estar, nem algo que lhe permita ser estabelecido lá. Pois, como é causa das outras coisas, não recebe delas o que ele é; quanto a seu bem-estar, como poderia se encontrar fora dele? Seu bem-estar não lhe pertence portanto por acidente, pois coincide com ele. Além do mais, não ocupa nenhum lugar, pois não tem necessidade de um lugar onde se estabelecer em alguma parte, é de preferência o ser inanimado e a massa que cai, na medida que não está estabelecida em alguma parte. É em virtude dele que as outras coisas são estabelecidas em um lugar, e é dele que têm sua existência ao mesmo tempo que o lugar ao qual elas estão designadas. Além do mais, buscar um lugar, é estar na necessidade; um princípio não tem necessidade das coisas que vêm depois dele, e o princípio de todas as coisas é aquele que não tem necessidade de nenhuma coisa. Com efeito, o que está na necessidade está na necessidade porque deseja o princípio; mas se o Uno tivesse necessidade de algo, buscaria, é evidente, a não ser mais uno, de sorte que teria necessidade disto que o destruiria. Ora, tudo o que se diz estar na necessidade, tem necessidade de bem-estar e disto que pode garantir sua salvaguarda. Logo segue-se que não há para o Uno nenhum bem, nem, em consequência, nenhuma vontade do que quer que seja; mas está acima do bem e é o bem não para ele mesmo, mas para as outras coisas, se uma delas pode participar nele. Para ele, não há nem intelecção, afim que não haja nele nenhuma alteridade, nem movimento, pois é anterior ao movimento e à intelecção. Com efeito, que poderia ele bem pensar? Ele mesmo? Antes de pensar, seria portanto ignorante, e teria então necessidade da intelecção para se conhecer ele mesmo, ele que, no entanto, se basta a ele mesmo. Não é porque não se conhece que que não se pensa que teria a ignorância nele; pois, para que haja ignorância, é preciso que haja outro ser, e que um ignore o outro. Em revanche, o que é só não conhece, e nada tem que ignore, mas sendo um e unido a ele mesmo, não tem necessidade de se conhecer ele mesmo. Em consequência, não é preciso nem mesmo lhe adicionar «o fato de ser consigo», para lhe conservar a unidade; as é preciso também lhe retirar o ato de pensar, o fato de ser consigo e a intelecção de si como das coutras coisas; pois não é preciso o pôr ao nível daquele que pensa, mas de preferência ao nível do pensamento. O pensamento não pensa, mas é a causa que faz que um outro pense, e o que é causa não é idêntico ao que é causado. Ora, a causa de todas as coisas não coincide com nenhuma dentre elas. Logo não é preciso nem mesmo dizer que é o bem que ele confere; mas é em outro sentido que é o bem: aquele que está acima dos outros bens.