(do part. presente do verbo esse, ser, ens, entis, sendo).

Heidegger insistiu em que deve distinguir-se entre o ente e o ser, entre o verbo e o particípio do verbo. Do ponto de vista linguístico, há que ter em conta que os significados de ente e ser dependem, em grande parte, do modo como estes termos se introduzem, por exemplo, não é a mesma coisa dizer o ente que dizer “um ente”; não é a mesma coisa usar ser como cópula num juízo que dizer “o ser”. Devido a estas e outras dificuldades, argumentou-se por vezes que a distinção entre ente e ser, pelo menos dentro da chamada “ontologia clássica”, é pouco menos que artificial, ou em todo o caso, insignificante. Alguns autores, contudo, insistem em que perguntar pelo ente e perguntar pelo ser não é a mesma coisa; o ente é “aquilo que é”, enquanto o ser é o fato de que qualquer ente dado seja. Especialmente desde o século treze, discutiu-se o que é o ente como “aquilo que é” ou “o ser que é”. À pergunta — o que é o ser? — respondeu-se que “o ente é aquilo que o intelecto concebe em primeiro lugar” (S. Tomás, SOBRE A VERDADE). Nada se pode dizer do que é a não ser que o dizer se encontre já situado dentro da primeira e prévia apreensão do ente. O ente é aquilo que é. S. Tomás fala também do ser, mas para o definir em termos de ente, “o ser diz-se do ato do ente enquanto é ente”e estuda o ser como ser com a sua essência, como “aquilo que é” (enquanto é). O ente é o mais comum enquanto sujeito de apreensão. Ao mesmo tempo, é algo que transcende tudo o que é. Não pode definir-se por nenhum modo especial de ser — por nenhum ser “tal ou qual” — e por isso é um transcendental. Disse-se que, além de ser um transcendental, o ente é um supertranscendental; como transcendental, é o que é enquanto relativo ao real e, como supertranscendental, é o que é enquanto relativo não só ao ente real mas também ao ente de razão. Os escolásticos trataram em pormenor os problemas levantados por esta exposição. Por um lado, e se a noção de ente é comuníssima, o ente é tudo o que é como tal. Por outro lado, se ente é o real na sua realidade, o ente pode ser aquilo que sustém ontologicamente todos os entes. Finalmente, se o ente é tudo o que é ou pode ser, dever-se-á precisar de que modos distintos se diz de algo que é ente. Por exemplo, pode dividir-se o ente em ente real e de razão, em ente potencial e ente atual, e este último em essência e existência. Pode também estudar-se de que modo se pode falar do ente, análoga, unívoca, equivocadamente. A doutrina escolástica do ente culmina possivelmente em Francisco Suárez. Nas suas Disputationes metaphysicae, Suárez estuda o ente não só como “aquilo que é”, mas também como a condição, ou condições, que tornam possível (e inteligível) qualquer ser. Disse-se, por isso, que a doutrina do ente desembocou num puro formalismo, enquanto o ente se definia como tudo aquilo a que não repugna a existência. Se isto acontece, o ente é então a mera possibilidade lógica. Como se disse no começo do artigo, Heidegger manifestou com particular ênfase que a questão do ser e a do ente não são iguais. A determinação do ente não é aplicável ao ser (). O ser é anterior aos entes. O que seja esse ser e como pode conseguir-se um acesso a ele é a grande questão de Heidegger se propôs deslindar. Só uma análise do homem enquanto é o ente que pergunta pelo ser pode abrir o caminho par a uma compreensão do sentido do ser. A clássica pergunta pelo ente ocultou a pergunta mais originária pelo ser. (José Ferrater Mora, Dicionário de Filosofia)


Trata-se de tudo aquilo que, de um modo ou de outro, é; de tudo aquilo que, de uma maneira ou de outra, possui uma forma qualquer de realidade. Ao considerarmos um elemento da realidade como ente, nós o consideramos apenas na medida em que podemos aplicar-lhe este termo simples e misterioso, eminentemente filosófico: ser. Trata-se de um termo absolutamente indeterminado e neutro; e que vale por sua generalidade mesma. Portanto, segundo Heidegger, a “metafísica” é um modo de determinar o ente, de interpretá-lo, de caracterizá-lo e de compreendê-lo. Não se trata, necessariamente, de uma espécie de visão intelectual, de uma concepção explicitamente formulada ou de um discurso sistemático sobre o ente. Sem dúvida, a compreensão do ente pode se exprimir num discurso. Mas ela é, antes de tudo, implícita, vivida. A interpretação do ente é, primordialmente, uma atitude prática e efetiva em relação a ele, um modo de nos situarmos diante dele, de nos relacionarmos com ele. Portanto, no sentido heideggeriano, a metafísica é, primordialmente, uma determinação fundamental do ente que se constitui no implícito e que só é tematizada no discurso de modo secundário. (LADRIÈRE, Jean. Ética e Pensamento Científico. São Paulo, Letras & Letras, sem data, p. 18)

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