Seu outro sinal [de Artemis], a “tocha”, é o sinal da morte enquanto o que não se esvai e não se apaga. A portadora da luz é portadora da morte. Vida e morte, luz e noite correspondem-se justamente ao se “contradizerem”. Artemis, a altaneira, permite que em seu aparecimento brilhe em todo ente essa “contra-dicção”. Ela é o aparecimento do contrário, que nunca e em parte alguma pretende resolver o contrário ou favorecer um dos lados a fim de superar o contrário. Como portadora da luz, ela é o aparecimento do contrário. Ela é isso porque já permite originariamente a visualização do extraordinário da luta no ordinário. Artemis é uma portadora da luta vigorosa e essencial, da ερις. Essa luta não é somente insuperável, mas pertence à sua essência lutar contra a superação e toda tentativa de superação.
Sem dúvida, é preciso aqui afastar da palavra “luta” a representação comum, em que predomina a esfera do ódio e da ira. “Combate” e “guerra” também não seriam suficientes para exprimir a essência do que aqui se vem chamando de “luta”, de “ερις”. Combate e guerra são uma espécie e uma subespécie do que aqui chamamos de “ερις”, de luta, embora em sua essência a luta não seja, necessariamente, o mesmo que “combate” e “guerra”. Só será possível tentar pensar aquilo que constitui o a-se-pensar para o pensador originário Heráclito fazendo-se o encontro da luz e do fogo, do jogo e da vida e, em todos eles, da “luta”. O que a deusa Artemis deixa transparecer em seu aparecimento indica o que constitui o a-se-pensar para o pensador.
[HEIDEGGER, Martin. Heráclito. A origem do pensamento ocidental Lógica. A doutrina heraclítica do lógos. Tr. Marcia Sá Cavalcante Schuback. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1998, p. 40]