MITOLOGIA — EROS E PSIQUE
CAPÍTULO 3
Enquanto isso, os pais envelheciam de dor e de tanto se lamentar; e como os rumores desses acontecimentos logo se espalharam, tão logo souberam do fato, as irmãs mais velhas de Psique abandonaram seus lares, consternadas e preocupadas, para ir visitar os pais.
Nessa mesma noite, o esposo de Psique lhe disse — pois, com exceção da voz, ele só lhe era perceptível ao tato e aos ouvidos:
— Doce e adorável esposa, estás ameaçada por um triste destino e um perigo iminente, que na minha opinião deves evitar. Eis que já se aproximam tuas irmãs, perturbadas por te imaginarem morta. Procurando seguir teus passos, aproximam-se deste rochedo; ao ouvires um lamento, não respondas, ou melhor ainda, nem sequer olhes para lá, senão me causarás a mais terrível dor, e, para nós, a maior das desgraças.
Ela anuiu e prometeu agir segundo a vontade do marido; mas assim que ele desapareceu junto com a noite, a infeliz passou o dia inteiro a chorar e a se lamentar, repetindo a si mesma que agora de fato estava perdida, encerrada na mais bem-aventurada das prisões, mas privada do contato com o ambiente humano, sem nem mesmo poder levar ajuda às irmãs enlutadas, isto é, sem nem ao menos poder vê-las. Nem o banho, nem a refeição, nem mesmo qualquer outra distração lhe proporcionaram alívio e, em prantos, deitou-se para dormir. Sem demora, um tanto mais cedo do que de costume, o marido logo se deitou na cama e falou mais uma vez, abraçado à ainda chorosa Psique:
— Não me prometeste isso, minha esposa? Que mais posso eu, teu marido, esperar de ti? Nem de dia, nem de noite, nem mesmo enlaçada pelos meus abraços te deixas convencer? Faze então como quiseres, obedece à tua consciência que te causará a ruína. Só te lembrarás, contudo, da minha advertência quando, tarde demais, começares a te arrepender.
Em seguida, Psique cobriu-o de pedidos em meio às carícias e ameaçou morrer de dor. Conseguiu arrancar do marido a promessa de que ele atenderia a seus desejos, ou seja, rever as irmãs e consolá-las, reunindo-se a elas. Desta forma, ele acabou por concordar com as súplicas da recém-casada e permitiu-lhe também que presenteasse as irmãs com tanto ouro e joias quanto quisesse. Contudo, não cansou de a advertir repetidas vezes para que nunca se deixasse convencer por uma sugestão maldosa e que nunca respondesse quando lhe perguntassem sobre sua aparência. Advertiu-a para não destruir toda a felicidade deles com uma curiosidade sacrílega, pois então nunca mais desfrutaria de seus abraços. Psique agradece ao marido e lhe diz, já com alma nova:
— Antes morrer cem vezes do que perder teu doce amor. Onde estiveres, eu te amarei até a morte. Amo-te como amo a própria vida. Comparado a ti, o próprio Cupido nada seria! Mas cede também aos meus caprichos e ordena ao teu criado Zéfiro que traga minhas irmãs para cá, da mesma forma que trouxe a mim.
Cobrindo-o de beijos, Psique murmurou-lhe doces palavras de amor; e abraçando-o com seus membros flexíveis, ainda acrescentou:
— Meu esposo, doce como mel, alma da minha vida, vida da tua Psique!
A magia e o poder desses arrulhos apaixonados subjugaram o consorte que, mesmo contra a vontade, prometeu atender-lhe aos desejos; contudo, como se aproximasse a aurora, desapareceu por entre as mãos da esposa.
Mas já as irmãs, que haviam procurado o lugar no alto do rochedo em que haviam abandonado Psique, aproximando-se de olhos inchados de tanto chorar, batiam no peito lamuriando-se em tão alta voz, até que os rochedos e a montanha ecoaram suas lamúrias. Elas chamavam pelo nome de Psique; essas vozes lamurientas alcançaram o vale depois de descerem as íngremes encostas, atingindo os ouvidos de Psique, que trêmula, saiu do palácio dizendo:
— Por que vos amofinais em vão com tantas lágrimas? Estou aqui, não deveis lamentar-me! Parai com essa tristeza, e finalmente enxugai as lágrimas que vos correm das faces, pois logo poderão abraçar aquela que lastimais em tão altos brados!
Em seguida, chamou Zéfiro, ao qual lembrou as ordens do esposo, que este cumpriu sem hesitação, trazendo-lhe as irmãs incólumes com seu suave sopro. A princípio, o encontro foi da mais genuína alegria, por entre abraços e beijos. Às lágrimas de dor, seguiram-se as de regozijo.
— Entrai — disse Psique -, alegrai-vos por estar sob meu teto e por recuperar na minha presença as almas abatidas.
Depois de dizer-lhes isso, a inocente Psique foi abrindo para elas as portas do seu doce refúgio, o castelo dourado com a criadagem invisível da qual somente os ouvidos podiam captar as vozes. Permitiu que as irmãs se refrescassem com os mais deliciosos banhos e depois ofertou-lhes a mais perfeita refeição já preparada por mãos não humanas. A abundância de suas riquezas fez germinar-lhes no coração as sementes da inveja. Psique não desobedeceu às ordens do esposo e, apesar da insistência das irmãs, descreveu-o como um belo jovem de queixo recoberto por barba macia, cuja ausência se devia às suas constantes caçadas pelos bosques e montanhas. Para hão correr o risco de se trair durante a conversação, fez com que Zéfiro as levasse de volta ao rochedo, cumuladas de ouro e de joias. Agora, enquanto regressavam ao lar, já envenenadas pela inveja, ambas falavam ao mesmo tempo, presas de grande agitação, até que uma delas se manifestou:
— Ó Fortuna, impotente, cruel e injusta! Como te comprazes em nos dar destinos tão diferentes, a nós que nascemos dos mesmos pais? Nós, as filhas mais velhas, fomos dadas em casamento a energúmenos forasteiros, para sermos suas serviçais, tendo de abandonar o lar paterno e a pátria, passando a viver longe deles como proscritas! À irmã caçula, no entanto, fruto de uma fecundidade já esgotada, deste tantos tesouros e, para esposo, um deus, a ela que nem mesmo sabe como aproveitar tantas riquezas! Irmã, acaso viste quantos tesouros e joias estão esparramados pela casa, quantos mosaicos de pedras preciosas e ouro, destinados a serem calcados sob os pés? Como se tudo isso não bastasse, Psique ainda tem um belo jovem por esposo, se é que está dizendo a verdade, e não deve existir no mundo ninguém mais bem-aventurada do que ela! Graças à crescente atração e paixão, esse esposo divino acabará por transformá-la numa deusa. Casada com tal Hércules, já assume ares; tendo vozes por criadas, dando ordens ao próprio vento, essa mulher já sabe até onde pode chegar e já se comporta como se fosse uma deusa! No entanto, pobre de mim, me casaram com um homem que é mais velho que o meu pai; além de calvo como uma abóbora, é mais baixo do que um anão e frágil como um menino. Ainda por cima, é tão avarento que guarda tudo sob ferrolhos e trancas. A outra irmã logo argumentou:
— E eu, que tenho de suportar um marido gotoso, que vive abatido e já está alquebrado; nem demonstrar-me sua afeição ele pode, pois tenho de constantemente untar-lhe os dedos enrijecidos das mãos com pomadas e unguentos malcheirosos, envolvendo-os com nojentos paninhos gordurosos! Ao fazer essas ataduras, acabo por queimar minhas mãos e minha missão precípua não é a de uma esposa, é mais a de uma enfermeira.
— No teu caso, minha irmã — esta é a minha opinião — parece que suportas o teu destino com espirito paciente, ou melhor, servil; ao contrário, eu não aguento mais ver que a menos merecedora de todas tenha recebido tão glorioso destino. Lembras-te da arrogância com que nos tratou, da exibição que fez de seus tesouros, e de como, incomodada já por nossa presença, ordenou ao vento que nos trouxesse de volta, depois de nos presentear com algumas ninharias em face de tanta riqueza? Não sou uma mulher e prefiro morrer se não conseguir fazê-la perder seus tesouros! E se também tu estiveres de acordo, ambas tramaremos um plano para aniquilá-la. Basta ter visto o que vimos e nada disso devemos contar aos nossos pais, sem falar que nem sequer devemos mencionar que Psique está a salvo. Nem lhes mostraremos estes presentes e o povo não deve saber de tão auspiciosa notícia. O fato de conhecerem a riqueza de alguém não torna as pessoas mais felizes! E bom que Psique saiba que não somos suas serviçais, mas sim suas irmãs mais velhas. Agora voltemos aos nossos maridos a fim de rever nossos infelizes lares, que no entanto nos servem de abrigo; mas depois de pensarmos bastante, voltaremos para nos vingar com mais força do seu orgulho.
Logo as duas bruxas elaboraram um plano vil e, depois de ocultar todos os riquíssimos presentes que haviam recebido, renovaram suas lamentações, depois de desfigurar o rosto com lágrimas falsas e de emaranhar todo o cabelo. E assim que assustaram os pais, renovando-lhes o sofrimento cada vez mais insuportável, voltaram a toda pressa para suas casas, para traiçoeiramente prepararem a armadilha, um verdadeiro fratricídio, contra a inocente Psique.