Mitologia Grega – Hércules – Doze Trabalhos – Estábulos de Augias
Paul Diel
Mário Meunier
Robert Graves
b. Com a ajuda de alguns voluntários, Hércules zarpou para a Trácia, visitando, no caminho, o rei Admeto de Feres, seu amigo. Quando chegou a Tirida, ele subjugou os cavalariços de Diomedes e conduziu as éguas para o litoral, onde as deixou num outeiro a cargo de seu valete Abdero, e depois voltou para rechaçar os bístones que vinham em seu encalço. Embora fossem mais numerosos, ele conseguiu derrotá-los mediante a engenhosa abertura de um canal que fez com que o mar inundasse a planície baixa e, quando seus inimigos deram meia-volta e se puseram a correr, ele os perseguiu, deixou Diomedes sem sentido com um golpe de sua clava, arrastou seu corpo em torno do lago que havia se formado e o colocou diante das próprias éguas, que devoraram sua carne enquanto ele ainda estava vivo. Quando estavam plenamente saciadas — pois, durante a ausência de Hércules, elas haviam devorado também Abdero —, ele as dominou sem grande dificuldade.
c. Segundo outro relato, Abdero, apesar de ser natural de Opunte, na Lócrida, estava a serviço de Diomedes. Há quem o chame filho de Hermes, ao passo que outros se referem a ele como filho do amigo de Hércules, Menécio de Opunte; portanto, irmão de Pátroclo, que morreu em Troia. Após fundar a cidade de Abdera junto à tumba de Abdero, Hércules se apoderou da carruagem de Diomedes e nela atrelou as éguas, embora elas, até então, não houvessem conhecido freio nem rédeas. Ele as conduziu a toda velocidade através das montanhas até chegar a Micenas, onde Euristeu as dedicou a Hera e as deixou em liberdade no monte Olimpo. Mais tarde, elas foram devoradas por animais selvagens. Entretanto, há quem afirme que seus descendentes sobreviveram até a Guerra de Troia, inclusive até a época de Alexandre, o Grande. As ruínas do palácio de Diomedes ainda podem ser vistas em Cartera Come e, em Abdera, ainda se celebram os jogos atléticos em homenagem a Abdero, que incluem as provas costumeiras à exceção da corrida de carros, o que explica a história segundo a qual Abdero teria morrido quando as éguas antropófagas destroçaram o carro ao qual ele as havia atrelado.
1. Colocar as rédeas num cavalo chucro com o propósito de sacrificá-lo numa cerimônia (vide 75. 3) parece ter sido um rito de coroação em algumas regiões da Grécia. O domínio de Hércules sobre Árion (vide 138. g) — façanha realizada também por Onco e Adrasto (Pausânias: VIII. 25. 5) — tem seu paralelismo na captura de Pégaso por Belerofonte. Este mito ritual combinou-se, neste caso, com uma lenda segundo a qual Hércules, representando talvez os teanos que arrebataram Abdera aos trácios (Heródoto: I. 168), anulou o costume pelo qual mulheres selvagens com máscaras de cavalo perseguiam e devoravam o rei sagrado no fim de seu reinado (vide 27. d); em vez disso, ele era morto num acidente de carro arranjado (vide 71. 1; 101. g e 109. j). A omissão da corrida de carros nos jogos fúnebres de Abdera indica a proibição de tal sacrifício organizado. Podargos chama-se assim por causa da harpia Podarge, mãe de Xanto, um cavalo imortal que Poseidon deu a Peleu como presente de casamento (vide 81. m). Lampo evoca Lampão, um dos cavalos de Eos (vide 40. a). A afirmação de Diodoro de que essas éguas permaneceram em liberdade no Olimpo pode significar que o culto aos cavalos canibais sobreviveu lá até a época helênica.
2. Os canais, túneis ou ductos naturais subterrâneos eram descritos com frequência como sendo obra de Hércules (vide 127. d; 138. d e 142. 3).