Aristóteles: Ética a Nicômaco

Segundo António de Castro Caeiro, em sua introdução à tradução que fez da Ética a Nicômaco (Lisboa: Quetzal, 2012, p. 9):

Do corpus aristotelicum a Ética a Nicómaco é o mais importante dos textos sobre o problema ético na produção de Aristóteles, conjuntamente com a Ética a Eudemo, os Magna Moralia e um pequeno tratado chamado Sobre Virtudes e Vícios. A análise do problema ético em Aristóteles depende de uma caracterização nos seus traços essenciais do seu horizonte específico: o horizonte prático. A identificação deste horizonte e o seu isolamento são operações executadas através de um contraste sistemático com o horizonte teórico. Se a filosofia na sua dimensão teórica visa a constituição de uma situação que permita contemplar a verdade, na sua dimensão prática, contudo, a filosofia tende a expressar-se no agir. A diferença fundamental entre ambas as dimensões reside em que os entes que caem dentro do horizonte teórico não admitem alteração enquanto os que caem dentro do horizonte prático a admitem. Os entes que se constituem no horizonte prático, as diversas circunstâncias em que de cada vez nos encontramos, as mais diversas situações em que caímos ou que criamos, etc., etc. são sempre diferentes.

A par da identificação dos respectivos horizontes e dos entes que os inerem estruturalmente vai a detecção das formas específicas de lhes acedermos. O ponto de vista teórico acede aos princípios fundamentais (archai) e às causas (aitiai) responsáveis pelos entes que são inalteráveis em si mesmos e enquanto tais. Mas a teoria acede também a entes sujeitos à alteração, isto é, visa também os (10) entes que são por natureza (ta physei onta). Mas uma alteração deste gênero, natural, à qual estão sujeitos os entes naturais é necessária e conforme a uma lei. Na sua possibilidade extrema, a teoria, como contemplação, é sabedoria (sophia), quer dizer, uma perícia, uma capacidade exímia para pôr a descoberto e compreender intuitivamente no seu isolamento os princípios e as causas das coisas. Princípios e causas das coisas que são assim o alvo visado pelo olhar contemplativo. O prático é um horizonte que admite estruturalmente variação. Como tal, os seus princípios e causas terão de ser necessariamente diferentes dos que presidem ao horizonte teórico. A sua detecção está sob a égide de uma forma diferente de acesso. A perspectiva que abre para eles não pode perder de vista nem as situações concretas em que de cada vez nos encontramos, nem o sentido orientador que planeia, orienta e assim permite agir. Esta disposição desocultante é a frónesis, a sensatez. Trata-se da possibilidade extrema do ponto de vista prático, homóloga da sabedoria no ponto de vista teórico.