57. Em primeiro lugar, falemos acerca das interpretações que não se acham necessariamente apoiadas na leitura do texto, a) A viagem de Parmênides é única, e não reiterada: o optativo ikánoi («alcance»), última palavra do primeiro verso, não é obrigatoriamente um interactivo, b) Nem o é para baixo, para o interior da terra, nem para cima, para as alturas do céu, pois, quando se mencionam os «etéreos portais» (v. 13), não pode ficar esquecido o «umbral de pedra» (v. 12). c) Não é Parmênides quem se dirige da obscuridade para a luz, mas sim as Helíades, as divinas filhas do Sol — são elas que deixam «as moradas da Noite / para (chegarem) à luz» (vv. 9-10), no impreciso lugar de onde o filósofo já se pusera a caminho, d) A deusa inominada (v. 23), assim deve permanecer; pois não há razão coegente para confundi-la com Dikè, a guardiã da porta, e) Menos importante, mas ainda considerável, é que, no primeiro verso: «as éguas que me tiram (que as éguas são animais de tiro, é o que se vê pela sequência: ‘as éguas tirando o carro’, no v. 5 tão longe quanto o desejo alcance», não está determinado se o desejo reside no coração das éguas ou no coração do filósofo. f) A complexa interpretação de Deichgráber, dos vv. 11-21, em que vem descrita a porta e o seu funcionamento, mais engenhosa do que persuasiva, serve, por meio da alegoria, para provar a sua tese tendente a identificar a deusa-reveladora com Dikè; a nossa opinião, sujeita a eventuais objecções, é que o intuito de Parmênides seria apenas o de estabelecer firmemente em nosso espírito a ideia de que a mesma porta é inviolável, ou de que ela se abre só àqueles que, de algum modo, mereceram o favor da deusa. Contornados ou removidos estes obstáculos, e não perdendo de vista a «mitologia do horizonte», podemos passar logo à interpretação que se nos afigura mais coerente. Entretanto, talvez não seja inútil, para ulteriores referências, uma versão que só difere das outras por já levar em conta as precedentes observações (vv. 1-5). «As éguas que me tiram tão longe quanto o desejo alcance, escoltavam-me, guiando elas, quando me enviaram (puseram na via) no celebrado caminho da divindade (o caminho que a divindade percorre), que por (sobre) todas as cidades conduz o homem vidente (sapiente). Por ele me conduziam, por ele me levavam os habilíssimos corcéis, tirando o carro, e donzelas à frente iam mostrando o caminho.» (vv. 6-10) «O eixo, deflagrando nos cubos, despedia o som estridulo da síringe, — pois, de ambos os lados era movido pelo turbilhão das rodas —, enquanto as filhas do Sol se apressavam em (nos) conduzir, tendo deixado, direito à luz, as moradas da Noite, e com as mãos, da cabeça, removendo seus véus.» (vv. 11-14) «Ali se encontram os portais dos caminhos do dia e da noite; em cima e em baixo são mantidos por um lintel e um umbral de pedra; eles próprios, os etéreos portais, estão cobertos de batentes, dos quais a Dikê vingadora possui as chaves cambiantes.» (vv. 15-21) «Com brandas palavras, as donzelas per-suadiram-na que velozmente dos portais removesse a tranca aferrolhada, e a fauce escancarada dos batentes de súbito se abriu, quando os bronzeos pilares, guarnecidos de cavilhas e chavetas, nos mancais giraram, um após outro. Através dela e pela estrada ampla, as donzelas conduziram carro e corcéis.» (vv. 22-32) «Propícia a deusa me acolheu; e tomando na sua, a minha mão direita, assim falou, dizendo: ‘Jovem, que em companhia das auriges imortais e trazido por esses corcéis, a nossa morada chegaste, eu te saúdo! Pois não foi a sorte ruim que por este caminho te enviou — que bem longe está ele das sendas humanas —, mas Dikê e Thémis. E preciso que tudo conheças, tanto o intrépido coração da verdade bem rotunda, quanto a opinião dos mortais, em que não há segurança verdadeira. E, no entanto, também isto aprenderás: como as aparências, que permeiam todas as coisas, tinham de ser aceitáveis.’»