[DE SOUSA, Eudoro. Horizonte e Complementaridade. Sempre o mesmo acerca do mesmo. Lisboa, INCM, 2002, p. 95-97]
53. A charneira da «Via da Verdade» e da «Opinião dos Mortais» encontra-se nos últimos versos do frg. 8. Aqui, mais do que em qualquer outra passagem, exuberantemente se confirma a verdade do que afirmávamos acima: qualquer tradução pressupõe resolvido um problema, cuja solução, naturalmente, o tradutor-intérprete procura no momento de abeirar-se do texto original. Mas, na verdade, o que acontece, nesta passagem, é que ele já formulou mentalmente a sua hipótese acerca da relação que supõe existir entre a «Via da Verdade» e a «Opinião dos Mortais». Vamos exemplificar: seguem-se A) uma versão portuguesa (Cavalcante de Souza), B) uma versão francesa (Battistini), C) uma versão inglesa (Kirk-Raven) e D) uma versão alemã (Diels-Kranz) dos vv. 50-61 do frg. 8: A) «Neste ponto encerro fidedigna palavra e pensamento / sobre a verdade; a opinião de mortais a partir daqui / aprende, a ordem enganadora de minhas palavras ouvindo. / Pois duas formas estatuíram que suas sentenças nomeassem, / das quais uma não se deve — no que estão errantes —; / em contrários separaram o compacto e sinais puseram / à parte um do outro, de um lado, etéreo fogo de chama, / suave e muito leve, em tudo o mesmo que ele próprio, / mas não o mesmo que o outro; e aquilo em si mesmo (puseram) / em contrário, noite sem brilho, compacto denso e pesado. / A ordem do mundo, verosímil em todos os pontos, eu te revelo, / para que nunca sentença de mortais te ultrapasse.» B) «J’arrête ici pour toi discours sans tromperie, pensée cernant la vérité. / Les semblances auxquelles la vue des mortels fait accueil, apprends-les maintenant, / écoutant de mes vers l’ordre fallacieux. / Ils se sont résolus à nommer deux figures dont aucune doit se nommer seule — en quoi ils se sont fourvoyés. / Les opposant, ils scindèrent leur structure, leur assignèrent des marques / par quoi les séparer. Ici le feu éthéré de la flamme, / favorable, subtil, léger, à lui-même partout semblable, / à l’autre non semblable. A l’opposé, l’autre figure, à part / antagoniste, la nuit sans flambleau, structure épaisse et lourde. / Cette disposition du monde selon les lois qui lui conviennent, / à toi, toute, je la veux révéler, / pour que jamais sentence des mortels ne te dépasse.» C) «Here I end my trustworthy discourse and thought concerning truth; henceforth learn the beliefs of mortal men listening to the deceitful ordering of my words. For they made on their minds to name two forms, of which they must not name one only — that is where they have gone astray — and distinguished them as opposite in appearance and assigned to them manifestations different one from the other — to one the aitherial flame of fire, gentle and very light, in every direction identical with itself, but not with the other; and that other too is itself just the opposite, dark night, dense in appearance and heavy. The whole ordering of these I tell thee as it seems likely, that so no thought of mortal men shall ever outstrip thee.» D) «Damit beschliesse ich für dich mein verlässliches Reden und Denken über die Wahrheit. Aber von hier ab lerne die menschlichen Schein-Meinung kennen, indem du meiner Worte trügliche Ordnung hörst. Sie haben nämlich ihre Ansichten dahin festgelegt, zwei Formen zu benennen (von denen man freilich eine nicht ansetzen sollte, in diesem Punkte sind sie in die Irre gegangen); und sie schieden die Gestalt gegensätzlich und sonderten ihre Merkzeichen voneinander ab: hier das ätherische Flamenfeuer, das milde, gar leichte, und sich selber überall identisch, mit dem anderen nicht identisch; aber auch jenes für sich, gerade entgegengesetzt: die lichtlose Nacht, ein dichtes und schweres Gebild. Diese Welteinrichtung teile ich dir als wahrscheinlich-einleuchtende in allen Stücken mit; so ist es unmöglich, dass dir irgendeine Ansicht der Sterblichen jemals den Rang ablaufe.» (Eudoro de Sousa, “Horizonte e Complementaridade”)