Fédon 102b-107d — O problema dos contrários

E depois disso, o que disseram?

Fedão – Segundo creio, depois de lhe concederem esse ponto e de admitirem a existência real das ideias e que é da sua participação que as diferentes coisas recebem determinação particular, perguntou Sócrates o seguinte: Se é assim que falas, continuou, quando dizes que Símias é maior do que Sócrates porém menor do que Fedão, não equivale isso a dizer que em Símias se encontram ambas: grandeza e pequenez?

Sem dúvida.

No entanto, admites que a expressão: Símias ultrapassa Sócrates, não deve ser tomada no sentido literal; não é por sua própria natureza, por ser Símias, que ele o ultrapassa, mas por sua grandeza ocasional, como não ultrapassa Sócrates por este ser Sócrates, mas pela pequenez deste, no que entende com a grandeza do outro.

Certo.

Como também ele não será ultrapassado por Fedão, por este ser Fedão, mas em virtude da grandeza de Fedão em comparação com a pequenez de Símias.

Isso mesmo.

Desse modo, aplica-se a Símias, a um só tempo, o apelido de grande e de pequeno, por estar ele a meio caminho dos dois, excedendo com sua grandeza a pequenez de um deles e reconhecendo no outro a grandeza que vence sua pequenez. Depois, acrescentou sorrindo: Minha linguagem parece de escrivão; mas o que eu disse está certo.

Concordou.

Falei desse jeito por desejar que compartilhes de minha maneira de pensar. O que me parece, é que tanto a grandeza em si mesma não deseja ser grande e pequena ao mesmo tempo, como a própria grandeza presente em nós não aceita jamais aceita a pequenez nem consente em ser ultrapassada. De duas uma terá de ser: ou ela foge e sai do caminho quando dela aproxima seu contrário, a pequenez, ou, com sua chegada, deixa de existir. O que de nenhum modo deseja, havendo admitido e recebido a pequenez, sem deixar de ser o que era, continuou sendo pequeno, ao passo que a grandeza, com ser grande, jamais consente em ser pequena. O mesmo vale para a pequenez em nós, que nunca se decide a tornar-se grande ou a ser isso mesmo, o que se também se dá com todos os contrários, enquanto cada um é o que é, recusam-se a tornar-se e ser ao mesmo tempo o seu contrário, retirando-se ou desaparecendo quando essa conjuntura se apresenta.

É exatamente assim que eu penso, observou Cebete.