Se fosse oportuno, contar-vos-ia um belo mito, Símias, digno de ser ouvido, de como é constituída essa terra situada embaixo do céu.
Mas nem há dúvida, Sócrates, falou Símias; escutaremos teu mito com o maior prazer.
O que dizem, companheiro, para começar, é que essa terra fosse vista de cima por alguém, pareceria um desses balões de couro de doze peças de cores diferentes, de que são simples amostras as cores conhecidas entre nós que os pintores empregam. Toda aquela terra é assim, porém de cores muito mais pura e brilhantes; uma parte é de cor é púrpura e admiravelmente bela; outra é dourada; outra, ainda, com ser branca, é mais alva do que o giz e a neve, o mesmo acontecendo com todas as cores de que é feita, em muito maior número e mais belas do que quantas possamos já ter visto. Pois até mesmo as concavidades da terra, estando cheias de ar e de água, mostram uma cor de brilho especial, resultante da mistura de todas as cores, de forma que a Terra apresenta colorido de uniforme variedade. Nessa terra assim constituída, tudo cresce nas mesmas proporções: árvores, flores ou frutos. Comas montanhas dá-se o mesmo; as pedras, relativamente, são mais macias e translúcidas e de cores muito lindas, das quais são parcela insignificante nossas pedrazinhas tão apreciadas: sardônicas, jaspe e esmeraldas, e todas as outras da mesma natureza. As de lá são todas desse jeito e ainda mais belas. A causa disso, vamos encontrá-la no fato de serem puras aquelas pedras e não ficarem estragadas nem corroídas, como as nossas, pela putrefação e pala salsugem que convergem para os lugares cá de baixo e que deformam e deixam doente não somente as pedras e o solo, como também os animais e as plantas. Tudo isso enfeita aquela terra, também ouro e prata e o que mais houver do mesmo gênero, de tanta refulgência tudo em tão grande cópia espalhado pela vastidão da terra ,que sua vista é verdadeiramente edificante. Existem nela animais em profusão, e também em parte nas margens do ar, como nós moramos nas do mar, em parte nas ilhas cercadas de ar, perto dos continentes. Numa palavra: o ar para eles é com a água e o mar para nossas necessidades, assim como para eles o éter é o que para nós é o ar. As estações entre eles são de tal modo temperadas, que ninguém cai doente, vivendo todos muito mais tempo do que os homens cá de baixo. Quanto à vista, o ouvido o pensamento e demais atributos desse gênero, eles nos ultrapassam na mesma proporção em que o ar vence em pureza a água e o éter o próprio ar. Há também entre eles templos e bosques sagrados, nos quais viver efetivamente as divindades, bem como vozes, profecias e aparições dos deuses, que é como se comunicam com eles, de rosto a rosto. Ademais, veem o sol, a lua e as estrelas com são na realidade, andando a par com tudo isso o restante de sua bem-aventurança.
Assim é a natureza da terra em seu conjunto e das coisas que a circundam.