II – Equécrates – E as condições em que morreu, Fedão? Quais foram suas palavras? Como se houve em tudo? Quais dos seus familiares se encontravam ao seu lado? Ou as autoridades não permitiram que entrassem, vindo ele a morrer privado de assistência dos amigos?
Fedão – De forma alguma; vários estiveram presentes; em grande número, mesmo.
Equécrates – Então, procura contar-nos com a maior exatidão possível como tudo se passou, no caso de dispores de folga.
Fedão – Disponho, sim, e vou tentar expor-vos o que se deu. Para mim, nada é tão agradável como recordar-me de Sócrates, ou seja quando falo nele, ou quando ouço alguém falar a seu respeito.
Equécrates – Pois podes ter a certeza, Fedão, de que teus ouvintes estão nessas mesmas condições. Esforça-te, portanto, para contar o caso com todas as minúcias.
Fedão – Era por demais estranho o que eu sentia junto dele. Não podia lastimá-lo, como o faria perto de um ente querido no transe derradeiro. O homem me parecia felicíssimo, Equécrates, tanto nos gestos como nas palavras, reflexo exato da intrepidez e da nobreza com que se despedia da vida. Minha impressão naquele instante foi que sua passagem para o Hades não se dava sem disposição divina, e que, uma vez lá chegando, sentir-se-ia tão venturoso com os que mais o foram. Por isso mesmo, não me dominou nenhum sentimento de piedade, o que seria natural na presença de um moribundo. Também não me sentia alegre, como costumava ficar em nossa práticas sobre filosofia. Sim, porque toda nossa conversa girou em torno de temas filosóficos. Era um estado difícil de definir, misto insólito de alegria e tristeza, por lembrar-me de que ele iria morrer dentro de pouco. As mais pessoas presentes se encontravam em condições quase idênticas, umas rindo, outras chorando, principalmente Apolodoro. Conheces o homem e sabes como ele é.
Equécrates – Sem dúvida.
Fedão – Pois desse jeito se comportou o tempo todo. Eu também, fiquei muito abalado, a mesma coisa passando-se com os outros.
Equécrates – E quem se achava lá, Fedão?
Fedão – Além do mencionado Apolodoro, seus conterrâneos Critobulo e o pai, Hermógenes, Epígenes, Ésquines e Antístenes. Ctesipo de Peânia também esteve presente, Menéxeno e mais alguns da mesma região. Se não me engano, Platão se achava doente.
Equécrates – E havia também estrangeiros?
Fedão – Sim, os Tebanos Símias, Cebete e Fedondes; e de Mégara, Euclides e Térpsio.
Equécrates – Nesse caso, Aristipo e Cleômbroto também estiveram com ele?
Fedão – Não; falaram que se encontravam em Egina.
Equécrates – Havia mais alguém?
Fedão – Creio que eram só esses.
Equécrates – E depois? Quais foram os discursos a que te referiste?
Fedão – Vou esforçar-me para contar tudo do começo. Tal como na véspera, todos os dias visitávamos Sócrates, e desde a manhãzinha íamos encontrar-nos no tribunal em que se deu o julgamento. Fica perto da cadeia. Ali esperávamos conversando até que a cadeia abrisse, pois não costumam abri-la muito cedo. Porém logo que isso se dava, corríamos para junto de Sócrates e quase sempre passávamos com ele o dia todo. Nessa manhã reunimo-nos mais cedo, porque na tarde anterior, ao nos retirarmos da prisão, soubemos que o navio chegara de Delo. Por isso, combinamos encontrar-nos o mais cedo possível no lugar habitual. Ao chegarmos, o porteiro que costumava receber-nos veio ao nosso encontro para dizer que esperássemos fora e não entrássemos sem que ele nos avisasse. Neste momento, nos disse, os Onze estão tirando os ferros de Sócrates e lhe comunicam que hoje ele terá de morrer. Depois de algum tempo, voltou para dizer que entrássemos. Ao penetrarmos no recinto, encontramos Sócrates, que acabava de ser aliviado dos ferros, e Xantipa – conhece-la decerto – com o filho pequeno, sentada junto do marido. Ao ver-nos, começou Xantipa a lastimar-se e clamar como de hábito nas mulheres, dizendo: Pela última vez, Sócrates, teus amigos conversarão contigo, e tu com eles. Virando-se para Critão, Sócrates lhe disse: Critão, leva-a para casa. A isso, alguns dos homens de Critão a retiraram, não cessando ela de gritar e debater-se.