Muito bem, falou Sócrates; tudo indica que Harmonia, a divindade tebana, já se nos tornou propícia. E agora, Cebete, continuou, de que jeito aplacaremos Cadmo, e com que argumentos?
Tenho certeza de que tu mesmo os encontrarás falou Cebete. Tua argumentação a respeito da harmonia foi notável; ultrapassou de muito minha expectativa. Quando Símias te opôs suas dificuldades, eu tinha quase certeza que não seria possível refutar a teoria por ele apresentada. Daí minha grande surpresa, por ver que ela não resistiu ao primeiro assalto da tua. Nada me admiraria, por conseguinte, se acontecesse a mesma coisa com o argumento de Cadmo.
Não fales demais, caro amigo, interpelou-o Sócrates, para que algum mau-olhado não venha desarticular nosso próximo discurso. Porém deixemos isso a cargo da divindade; o que nos compete é congregar esforços, como aconselha Homero, para ver o que disseste tem algum valor. Resume-se no seguinte o que procuras: Exiges provas de que nossa alma é imperecível e imortal, para que o filósofo que esteja no ponto de morrer se encoraje e acredite que depois da morte se sentirá muito melhor no outro mundo do que se vivesse de maneira diferente até o fim, e não se mostre corajoso por modo estulto e irracional. A demonstração de que a alma é algo forte e semelhante à divindade, e que existia antes de nos tornamos homens, não impede, segundo disseste, que tudo isso não prova que ela seja mortal, mas tão-somente que é relativamente durável e que antes poderá ter vivido algures um tempo indefinido e aprendido e praticado muita coisa. Mas nem por isso será imortal. Seu ingresso no corpo poderá ser o começo de sua própria destruição, uma espécie de doença. Assim, cansada de carregar o fardo desta vida, acabará por desaparecer no que denominamos morte Conforme dizes, é indiferente ingressar ela no corpo uma só vez ou muitas, no que respeite ao medo que todos nós manifestamos. Aliás, justifica-se esse medo, a menos que se trate de pessoa insensata, por não estarmos em condições de demonstrar que a alma é imortal. Esse é, mais ou menos, Cebete, o sentido de tuas palavras. De caso pensado, insisto no mesmo argumentos, para que não nos escape nenhuma particularidade e possas, caso queiras, acrescentar ou tirar alguma coisa.
Ao que Cebete respondeu: Por enquanto, nada tenho a acrescentar ou a retirar; foi isso mesmo que eu disse.