Ao ouvir, porém, certa vez alguém ler num livro de Anaxágoras – segundo dizia – que a mente é organizadora e causa de tudo, fiquei satisfeitíssimo com semelhante causa, por parecer-me de algum modo, muito certo que a mente fosse a causa de tudo, tendo imaginado que, a ser assim mesmo, como coordenadora do Universo, a mente disporia cada coisa particular pela melhor maneira possível. Se alguém quisesse explicar a causa de como alguma coisa nasce ou morre ou existe, teria apenas de descobrir qual é a melhor maneira para ela de existir, sofrer ou produzir seja o que for. Segundo esse critério, só o que importa ao homem considerar, tanto em relação a si mesmo como a tudo o mais, é o modo melhor e mais perfeito. Desse jeito, ficaria necessariamente conhecendo o pior, por ambos serem objeto do mesmo conhecimento. Depois dessas reflexões, alegrei-me ao pensar que havia encontrado em Anaxágoras um professor da causa das coisas como havia muito eu desejava, que começaria por dizer-me se a Terra é chata ou redonda, e depois me explicaria a causa e a necessidade dessa forma, recorrendo sempre ao princípio do melhor, com demonstrar que para a Terra era melhor mesmo ser assim. No caso de dizer que a Terra se encontra no centro, explicaria porque motivo é melhor para ela ficar no centro. Se ele me demonstrasse esse ponto, decidir-me-ia, de uma vez por todas, a não procurar outra espécie de causa. O mesmo faria com relação ao Sol, à Lua, e aos outros astros, no que diz respeito à sua velocidade relativa, o ponto de conversão e demais acidente a que estão sujeitos, bem como a razão de ser melhor para cada um deles fazer o que fazem ou sofrer o que sofrem. Um momento sequer não podia admitir que, depois de afirmar que tudo está ordenado pela mente, indicasse outra causa que não a de ser melhor para tudo proceder como procedem. Ao atribuir uma causa particular a cada coisa e ao conjunto, estava certo de que no mesmo ponto demonstraria o que para cada um era melhor e em que consistia para todos o bem comum. Por nada do mundo abriria mão dessa esperança. Por isso, havendo tomado do livro com sofreguidão, li-o de um fôlego, para poder ficar conhecendo, o mais depressa possível, tanto o melhor com o pior.
Porém, não demorei, companheiro, a cair do alto dessa maravilhosa expectativa, ao prosseguir na leitura e verificar que o nosso homem não recorria à mente para nada, nem a qualquer outra causa para a explicação da ordem natural das coisas, senão só o ar, ao éter, à água, e uma infinidade mais de causas extravagantes. Quis parecer-me que com ele acontecia como com quem começasse por declarar que tudo o que Sócrates faz é determinado pela inteligência, para depois, ao tentar apresentar a causa de cada um dos meus atos, afirmar, de início, que a razão de encontrar-me sentado agora neste lugar é ter o corpo composto de ossos e músculos, por serem os ossos duros e separados uns dos outros pelas articulações, e os músculos de tal modo constituídos que podem contrair-se ou relaxar-se, e por cobrirem os ossos, juntamente com a carne e a pele que os envolvem. Sendo móveis os ossos em suas articulações, pela contração ou relaxamento dos músculos fico em condições de dobrar neste momento os membros, razão de estar agora sentado aqui com as pernas flectidas. A mesma coisa se daria, se a respeito de nossa conversação indicasse como causa a voz, o ar, os sons, e mil outras particularidades do mesmo tipo, porém se esquecesse de mencionar as verdadeiras causas, a saber: pelo fato de haverem acordado os Atenienses em condenar-me, pareceu-me, também, melhor ficar sentado aqui, e mais justo submeter-se neste local à pena cominada. Sim, é isso, pelo cão! Pois de muito, quero crer, este músculos e estes ossos estariam em Mégara ou entre o Beócios, movidos pela ideia do melhor, se não me parecesse muito mais justo e belo, em vez de evadir-me e fugir, submeter-me à pena que a cidade me impusera. É o cúmulo do absurdo dar o nome de causa a semelhantes coisas. Se alguém dissesse que sem ossos e músculos e tudo o mais que tenho no corpo eu não seria capaz de pôr em prática nenhuma resolução, só falaria verdade. Porém afirmar que é por causa disso que eu faço o que eu faço, e que, assim procedendo, me valho da inteligência, porém não em virtude da escolha do melhor, é levar ao extremo a imprecisão da linguagem e revelar-se incapaz de compreender que uma coisa é a verdadeira causa, e outra, muito diferente, aquilo que sem a causa jamais poderá ser causa. A meu parecer, é justamente isso o que faz a maioria dos homens, como que a tatear nas trevas, empregando um termo impróprio e o designando como causa. Daí, envolver um deles a Terra num turbilhão e deixá-la imóvel debaixo do céu, enquanto outro a concebe à maneira de uma gamela larga, que tem como suporte o ar. Quanto à potência que determinou a atual disposição das coisas pela melhor maneira, nem a procuram nem concebem que seja dotada de algum poder superior, por se julgarem capazes de encontrar algum Atlante mais forte e mais imortal do que ela, para manter coeso o conjunto das coisas. Mas que o bem, de fato, e a necessidade abarquem e liguem todas as coisas, é o que não admitem de nenhum modo. De minha parte, para ficar sabendo como atua semelhante causa, de muito bom grado me faria discípulo de quem quer que fosse. Mas, uma vez que não a conheço nem me acho em condições de descobri-la por mim próprio nem de aprender com outros o que ela seja: queres que te faça uma descrição completa, Cebete, de como empreendi o segundo roteiro de navegação para a investigação da causa?
Não há o que eu mais deseje, respondeu.