Fédon

Phaedon ou Fedão ou Fédon

Sobre a imortalidade da alma. Fortemente impregnado de pitagorismo: preexistência das almas, escatologia, matematismo. Maior desenvolvimento da teoria das Ideias.


Segundo Luc Brisson, embora o Fédon retrate os momentos que antecedem a morte de Sócrates, não é por isso uma tragédia, pois antes de tomar o veneno que lhe põe fim à vida, Sócrates fala o dia inteiro com seus fiéis discípulos. Falou da morte, não de sua morte, não se lamentava desta sorte, mas usava o episódio como mais uma exercício de interrogação, ao seu estilo dialogal, “questões e respostas” (elenchos).

O relato toma forma quando uma estranha questão é lançada “Pensamos que a morte é algo?” (64c). Quer tenhamos medo ou indignação, ou a vejamos como um processo natural e portanto insignificante, a morte é um fato e ela tem a figura do impensável. Cada filósofo tirará daí as consequências do fato que todo ser humano é mortal, mas nenhum julgará possível pensar o que extingue o pensamento ele mesmo. Respondendo de pronto que a morte pode ser apenas a separação da alma e do corpo, Sócrates não se contenta de lhe dar um sentido possível, ele afirma que quando uma alma pensa, se concentra nela mesma, ela se exerce a morrer. Pensar a morte, para o pensamento, é se pensar o próprio pensamento.

Filosofia e morte trabalham da mesma maneira, liberando a alma do que a fixa a um corpo que só tem por real o que é sensível, por bom o que é agradável, e que mergulha em um mundo em perpétuo devir onde toda unidade se revela múltipla e todo valor relativo. Uma coisa sensível não pode jamais ser perfeitamente igual a uma outra, e no entanto concebemos uma igualdade perfeita. Nenhuma experiência feita por uma alma unida a seu corpo não pode o apreender, mesmo se a alma tem necessidade de refletir quanto a deficiência disto que ela percebe para relacioná-lo a uma essência que ela não pode apreender senão “antes”, quando ela estava separada.

A hipótese da reminiscência prova miticamente a preexistência da alma, mas ela tem uma significação racional: a alma tem nela mesma o poder de dispôr e conhecer realidades puramente inteligíveis. Se ela se atém a conhecê-las, ela se aparenta a elas. A alma é portanto somente um princípio de vida, mas ela não é uma essência. Cada alma determina sua natureza em função de seu grau de compromisso com o corpo e de sua atitude a um reto filosofar, e no mito final há menos retribuição que tipologia: nossas almas irão habitar lugares que lhes assemelham. A gente não se dá a mesma alma e não se representa a alma da mesma maneira se a gente a crê, ou não, mortal.

Mas, para a maioria dos seres humanos, a morte não é a morte metafórica dos filósofos, um estado que a alma se esforça por alcançar, mas um evento que arrisca destruí-la. Como exorcizar este medo? Em refletindo às causas da geração e da corrupção. O que merece o nome de causa não é o que engendra, mesmo da melhor maneira possível, mas o que torna inteligível. Se toda posse de uma essência ou de uma propriedade resulta da participação de uma Ideia, toda perda se explica por uma não-participação. A alma está essencialmente ligada a Ideia de vida, à qual ela faz participar tudo isto em que ela entra: falar de uma alma morta é tão contraditório quanto falar de neve fundida. A causalidade das Ideias permite demonstrar que a alma é imortal, e não que nossas almas para nós são indestrutíveis, que elas continuarão a existir senão a viver. Mas aí não está a meta do Fédon: falar filosoficamente da morte é o meio de aprofundar a compreensão que a alma tem dela mesma e disto que é.

Sócrates nos convida a não esquecer que devemos um galo a Esculápio. De que ele nos curou? Do medo da morte, de uma vida colada ao corpo, da ira dos raciocínios? De tudo o que nos desviaria da filosofia?

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