Fedro 230e-237a — Discurso de Lysias

“Conheces os meus sentimentos, e como já me ouviste dizer, acredito que nos será proveitosa a realização deste desejo. Confio em que meu pedido não será feito em vão, pois não sou teu amante. Os amantes, de fato, ao saciarem a sua concupiscência arrependem-se das vantagens que ofereceram, ao passo que, para os que não amam, nunca chega o momento em que teriam motivos para o arrependimento. Não foi a força da paixão que os impeliu a fazer o bem, não por necessidade mas voluntariamente, e o fazem com toda a energia, julgando assim servir também aos seus próprios interesses. Os amantes apaixonados levam em conta aquilo que, por causa do amor, os levou a descuidarem de seus negócios; computam os serviços que prestaram, os esforços que envidaram, e assim acreditam ter mostrado aos amados a devida gratidão. Os que não estão sujeitos à paixão não alegam o desleixo dos negócios, nem os esforços despendidos, nem as dissensões para serem agradáveis com os seus amantes. Os apaixonados afirmam ser os melhores amigos daqueles a quem amam e estar prontos para suportar injúrias e sevícias alheias no empenho de lhes prestarem favores; mas facilmente se percebe até que ponto tais protestos são verídicos e até que ponto tais homens devem ser estimados. Quando, mais tarde, se apaixonam por outro, preferem-no ao antigo amado, e é claro que, se aquele o desejar, até se disporão a agir em prejuízo deste. Mas convirá conceder favores tão preciosos a quem padece de tão enorme defeito do qual ninguém poderá libertá-lo? Os próprios amantes confessam que têm doente o espírito e que já não possuem bom senso; dizem ter consciência da sua insensatez mas que são, a um tempo, incapazes de dominar-se. Como poderão tais homens, se chegarem a refletir com sensatez, considerar como um bem o que desejavam nesse estado de delírio? Se tu quisesses escolher o melhor entre teus apaixonados, só muito poucos terias à tua disposição; se quisesses, porém escolher entre os outros o que mais te agrada, poderias optar entre muitos. Por isso há muito mais esperança de que, justamente entre esses muitos, se encontre alguém que seja digno de tua amizade.

É possível que temas a opinião pública se receias que, sabendo disso, o povo fale mal de ti. Lembra-te de que os apaixonados julgam que todos os invejam, assim como eles têm inveja uns dos outros; são por isso orgulhosos e contam a todos que os seus esforços não foram vãos. Aqueles a quem a paixão não cega, preferem, porém, o bem da união amorosa à fama que a mesma pode ter perante esses homens. Além disso, toda gente pode reconhecer o amante reparando na maneira pela qual segue o amado, a maneira pela qual o persegue e se esforça para possuí-lo. Quando os vemos a conversar, podemos saber se já deram ou se estão prestes a dar satisfação aos seus desejos.

Os que não estão apaixonados podem viver com grande familiaridade sem que ninguém os incrimine por isso. Terás mais algum motivo de receio? Por acaso pensas que as amizades duram pouco e que, quando há uma separação, a perda seja comum, e que é uma desgraça para ambos? Consideras agradável, na vida, arcar sozinho com o prejuízo? Esse medo tem mais razão de ser quando se trata de indivíduos que se amam, pois eles são muito suscetíveis e julgam sempre que os outros estão mancomunados para prejudicá-los. Por isso não consentem que os seus amados convivam com outras pessoas. Os ricos temem que outros os superem, pelo dinheiro, na afeição; os instruídos receiam que outras pessoas, de conhecimentos mais amplos, os suplantem e causem melhor impressão que eles. Em suma, têm ciúmes do poder que os outros possam ter. Podem chegar ao ponto de te obrigar a romper com todos. Não terás, então, um único amigo. Se cuidares dos teus interesses, procurando aquilo que te é mais proveitoso, acabarás brigando com o indivíduo que amas, e viverás em contínuas disputas com ele. Aquele que não é apaixonado, mas que consegue o que deseja, graças às suas qualidades, não sentirá inveja dos que cercam o amado; pelo contrário, odeia os que não querem ter convivência com ele, supondo que o desprezam, persuadido de que este pode ter proveito com o convívio dos bons amigos. Como vês, com eles tens mais esperanças de arranjar amigos do que inimigos. Ademais, a concupiscência de muitos amantes tem por alvo preferido muito mais a beleza do corpo do que o caráter e as condições pessoais. Em consequência disto, é sempre duvidoso que eles, uma vez satisfeito o desejo, estejam dispostos a continuar essa amizade, desde que desapareça o desejo. Aqueles a quem o amor não perturba, já antes haviam iniciado uma mútua amizade; não é provável, pois, que nesses a amizade diminua ou desapareça logo que o desejo se satisfaz. Ao contrário, na mútua amizade encontrarão outros motivos e garantias para novos favores.

Queres te tornar cada vez mais virtuoso? Confia em ti e não na pessoa que te ama, pois o que ama louvará sempre as tuas palavras e teus atos sem se preocupar com a verdade e com o bem, de medo de te perder ou pela simples cegueira que é própria da paixão. São estas as ilusões do amor. O amor infeliz aflige-se com aquilo que a ninguém incomoda; o amor feliz acha que tudo é encanto, as menores e mais insignificantes coisas. O amor é mais digno de piedade do que de inveja. Se cederes aos meus desejos, não me verás à procura, na tua intimidade, de um simples prazer efêmero. Hei de estar vigilante a que nos liguem interesses duráveis, pois que, liberto do amor, sou capaz de me dominar. Sem me deixar levar por motivos fúteis a ódios furiosos, não me aborrecerei por causa de faltas insignificantes, mas só diante de erros graves me irritarei contigo. Perdoarei o que fizeres sem intenção e tentarei impedir as más ações. São estes os sinais de uma amizade duradoura.

Talvez creias que uma amizade sem amor seja fraca e sem vida. Nesse caso, considera que, se assim fosse, seríamos indiferentes para os nossos filhos e para com os nossos pais, nem poderíamos ter amigos que se ligassem a nós, pois não é na paixão que as amizades se originam, mas em outros motivos. Ademais, se é conveniente dispensar favores aos que pedem, pela mesma consideração deverás ser generoso não com os mais ricos, mas com os mais pobres; porque estes, libertos dos maiores males, serão também os mais gratos. Quando estás comendo em tua casa, é preferível que não convides os amigos, mas sim mendigos e famintos, pois esses amarão o seu benfeitor e o acompanharão, reunindo-se muitas vezes diante da sua porta, e se mostrarão contentes, manifestando grande gratidão e orando aos deuses para que lhe concedam muitos bens. Não. O que convém, por certo, não é prestar favores aos que pedem com veemência, mas aos que são capazes de mostrar mais gratidão, não aos que se contentam em te amar, mas aos que são dignos de teus favores; não aos que gozam a flor da tua mocidade, mas aos que, depois, quando fores mais velho, compartilharão contigo os seus bens; não aos que, após haverem conseguido o que desejavam, vão gabar-se disso diante dos outros, mas aos que têm vergonha e nada referem; não aos que se esforçam para conquistar-te por pouco tempo, mas aos que durante a vida inteira permanecerão teus amigos; não aos que depois de haverem satisfeito os seus desejos procuram um pretexto para te odiar; mas aos que, tendo visto passar os prazeres da juventude, te acompanharem sempre com a sua estima. Lembra-te de tudo isso que te disse e ainda de mais uma coisa: os apaixonados são frequentemente expostos aos severos conselhos dos amigos que criticam a paixão, mas nunca se acusou de imprudente a um indivíduo que não se apaixona. Tu podes perguntar se te aconselho a que concedas os teus favores a todos aqueles que não são teus amantes. Eu responderei que um homem que ama não te aconselhará isso, pois que favores tão pródigos não teriam direito ao reconhecimento e, se quisesses esconder as tuas ligações, tu não o poderias fazer. É mister que o nosso convívio, em lugar de nos prejudicar, nos seja, ao contrário, útil.

Creio que disse o suficiente. Se te parecer, entretanto, que omiti alguma coisa, pergunta!”