Fedro 243e-257b — Segundo discurso de Sócrates

SÓCRATES: – “Então imagina, encantador rapaz, que o discurso anterior foi proferido por Fedro, filho do mirrinúsio Pítocles, e o que eu agora pronunciarei, por Estesícoro, filho do himereu Eufemo. O início deve ser: não foi verídico este discurso ao dizer que, apesar de se ter um amante, é prudente conceder mais favores ao não-apaixonado, porque aquele é louco, enquanto que este possui discernimento. Isto seria verdade se a loucura fosse apenas um mal; mas, na verdade, porém, obtemos grandes bens de uma loucura inspirada pelos deuses. A profetisa de Delfos e as sacerdotisas de Dodona prestam grandes serviços às pessoas e aos estados da Grécia quando estão em delírio. Em seus momentos lúcidos praticam somente coisas sem importância, ou nada fazem. E seria supérfluo dizer que a Sibila e outros adivinhos, agindo sob a inspiração divina e predizendo o futuro, corrigiram muitas coisas, como todos sabem. E esse fato deve ser mencionado como prova de que também os antigos, inventores dos nomes das coisas, não consideravam a loucura como desprezível ou desonesta. Deram eles à arte de prever o futuro o nome de “maniké “, “mania “, considerando-a como uma dádiva dos deuses, um bem. Os contemporâneos, que não entendem as belas palavras, introduziram, sem nenhum propósito nessa palavra, um “t”, transformando-a em “mantiké”, a arte divinatória. Ao contrário, a investigação do futuro, feita por homens que não são inspirados, que observam o voo dos pássaros e outros sinais, é a “oionoistike “, pois esses adivinhos procuraram atribuir ao pensamento humano (oiêsis) a inteligência (nous) e o conhecimento (historia). Os modernos, mudando o antigo “o ” no enfático “ô “, deram a essa arte o nome de “oiônoistike “. Assim, o dom da profecia supera em perfeição e em dignidade a arte dos augúrios, tanto no nome como na própria coisa – e assim também o delírio que provém dos deuses é mais nobre que a sabedoria que vem dos homens. Assim nos garantiam os antigos.

Quando as epidemias e os terríveis flagelos caíam sobre os povos como castigo de pecados antigos, o delírio, tomando conta de alguns mortais e inspirando-lhes as profecias, levou-os a descobrir remédios aos males e o refúgio contra a ira divina nas preces e nas cerimônias expiatórias. Foi, pois, ao delírio que se deveram as purificações e os ritos misteriosos que preservaram dos males atuais e vindouros o homem realmente inspirado, animado de espírito profético, revelando-lhe, ao mesmo tempo, o meio de se libertar desses males.

Há ainda uma terceira espécie de delírio: é aquele inspirado pelas Musas. Quando ele atinge uma alma virgem e pura, transporta-a para um mundo novo e inspira-lhe odes e outros poemas que celebram as gestas dos antigos e que servem de ensinamentos às novas gerações.

Mas quem se aproxima dos umbrais da arte poética, sem o delírio que é provocado pelas Musas, julgando que apenas pelo intelecto será bom poeta, sê-lo-á imperfeito, pois que a obra poética inteligente empalidece perante aquela nascida do delírio.

Essas são as vantagens do delírio que derivam dos deuses. Não devemos pois temer nem nos deixar perturbar por um discurso no qual se afirma que se deve preferir ao apaixonado o sensato.

É o primeiro que deve receber os louros da vitória, pois o amor foi enviado ao amante e ao amado, não pela sua utilidade material, mas, ao contrário – e é o que mostraremos -, esse delírio lhes foi incutido pelos deuses para sua felicidade. Essa prova suscitará o desdém dos maus, mas persuadirá os sábios.