No princípio do mito dividi cada alma em três partes, sendo dois cavalos, e a terceira, o cocheiro. Assim devemos continuar. Dissemos que um dos cavalos é bom e o outro não. Esclareçamos agora qual é a virtude do bom e a maldade do outro.
O cavalo bom tem o corpo harmonioso e bonito; pescoço altivo, focinho curvo, cor branca, olhos pretos; ama a honestidade e é dotado de sobriedade e pudor, amigo como é da opinião certa. Não deve ser fustigado e sim dirigido apenas pelo comando e pela palavra. O outro – o mau – é torto e disforme; segue o caminho sem firmeza; com o pescoço baixo, tem um focinho achatado e a sua cor é preta; seus olhos de coruja são estriados de sangue; é amigo da soberba e da lascívia; tem as orelhas cobertas de pelos. Obedece apenas – a contragosto – ao chicote e ao açoite.
Quando o cocheiro vê algo amável, essa visão lhe aquece a alma, enchendo-a de pruridos e desejos. O cavalo obediente ao guia, como sempre, obedece e a si mesmo se refreia. Mas o outro não respeita o freio nem o chicote do condutor. Aos corcovos, move-se à força, embaraçando ao mesmo tempo o guia e o outro cavalo; obriga-os por fim a entregarem-se à volúpia. Os dois a princípio resistem, ficam furiosos, como se fossem coagidos a praticar um ato mau e imoral, mas acabam por se deixar levar e concordam em fazer o que manda o mau cavalo. E eles se dirigem ao amado para gozar de sua presença, que brilha ofuscante como um relâmpago.
Quando o cocheiro vê o ser amado, a lembrança o reconduz para a essência da beleza. Este a revê no santo pedestal, ao lado da sabedoria, e ele se assusta, teme, e necessariamente puxa o freio. E com tal violência o retrai que ambos os cavalos recuam; o bom, voluntariamente e sem resistência; o ruim, entretanto, a contragosto. Afastam-se ambos do amado. Enquanto um, pela vergonha, banha de suor a alma, o outro, passada a dor causada pelo freio e pela queda, arfa ruidosamente, enraivece-se e luta com o condutor e o companheiro por terem abandonado o acordo por covardia e inépcia.
Novamente, obriga-os a se aproximar, contra a vontade, não lhes concedendo muito repouso, e, depois de breve intervalo de receio, ele os lembra do amado esquecido e os obriga – aos relinchos e empuxões – a tentarem novo assalto ao objeto amado. E quando deste se aproximam, o mau cavalo se precipita, estende a cauda, morde o freio puxando-o sem pudor. Mas o cocheiro, ainda mais impressionado que antes, logo se retrai, repuxando com mais força o freio do cavalo mau. Escorre-lhe o sangue da língua e das mandíbulas, apertadas que tem a um tempo as pernas e as ancas de encontro ao chão, pelos maus tratos do guia. Depois de sofrer tudo isso, o mau cavalo amansa e segue o governo do cocheiro. Agora, quando vê o belo, quase morre de medo.
Só então a alma do amante segue, com receio e pudor aquele que ama.