Se a melhor parte da alma sair vitoriosa e os conduzir a uma vida bem ordenada e filosófica, eles passarão o resto de sua vida felizes e em harmonia, sob o comando da honestidade, reprimindo a parte da alma que é viciosa e libertando a outra que é virtuosa. E ao morrer recebem asas e ficam leves, pois venceram um dos três combates verdadeiramente olímpicos, o maior bem que a sabedoria humana ou a loucura divina podem proporcionar a um homem. Mas se se entregam a uma vida em comum sem filosofia, e contudo honesta, poderá suceder que os dois corcéis rebeldes assumam o domínio num momento de embriaguez ou de descuido. Os cavalos indomáveis dos dois amantes, dominando suas almas pela surpresa, os conduzirão ao mesmo fim. Eles se entregarão ao tipo de vida mais invejável aos olhos de vulgo, e se atirarão aos prazeres. Satisfeitos, gozarão ainda estes mesmos prazeres, mas raramente, porque esses mesmos
prazeres não terão aprovação da alma. Terão uma afeição que os ligará, mas que será sempre menos forte do que aquela que liga os que verdadeiramente amam.
Acalmado o delírio, ainda pensam estar unidos pelos mais preciosos compromissos. Creem que seria sacrílego desfazer essa união e abrir seus corações ao ódio. Terminada a experiência terrena, impacientes para tomarem novas asas, as almas abandonam os seus corpos, encerrando com recompensa o seu delírio amoroso. A lei divina não permite, aliás, àqueles que iniciaram sua jornada cósmica juntos, que caiam nas trevas subterrâneas. Esses passam uma vida feliz e cheia de ventura numa eterna união e, ao receberem asas, recebem-nas juntos, em virtude do amor que os uniu na terra.
São essas coisas divinas, rapaz, que te darão o amor daquele que ama com paixão. O amor que não tem paixão, daquele que apenas possui a sabedoria mortal e que se apega aos bens do mundo, só gera na alma do amado a prudência do escravo, à qual o vulgo dá o nome de virtude mas que o fará vagar, privado da razão, na terra e sob a terra durante nove mil anos.
É esta, ó Amor!, a mais bela e a melhor palinódia que te posso oferecer como expiação do meu crime. Se o meu discurso foi por demais poético, a culpa cabe a Fedro, que a isso me obrigou. Perdoa-me o meu primeiro discurso e recebe este com indulgência; lança sobre mim um olhar benevolente e amigo. Não esmoreças em mim essa arte de amar de que me fizeste o dom. Ao contrário, lembra-me sempre para que eu aprecie, cada vez mais, a beleza. Se Fedro e eu te ultrajamos grosseiramente, acusa disso Lísias, que gerou aquele discurso, e obriga-o a que se volte para a filosofia, que seu irmão Polemarco já segue, a fim de que seu amante, que me ouve, livre da incerteza que ora o assola, possa consagrar, sem preconceitos, toda sua vida ao amor que é orientado pela filosofia.