Fedro 257b-259d — A logografia: ser um escritor

FEDRO: – Junto minha prece à tua, caro Sócrates, para que isso se realize. Quanto a teu discurso, ele me causa admiração, e tanto mais quanto sua beleza ultrapassa a do primeiro. Receio que Lísias se mostre impotente, caso queira escrever outro discurso para rivalizar com esse. Foi bem por causa disso, meu amigo, que um dos nossos políticos censurou a Lísias. Disse que ele escrevia demais, que era um “logógrafo”, um “escritor de discursos”. É bem possível até que Lísias, por amor próprio, desista de escrever.

SÓCRATES: – Que ideia singular, rapaz! Conheces muito mal o teu amigo se julgas que ele se incomoda de ser repreendido. Pensas também que esse crítico falou seriamente?

FEDRO: – Mostrava grande convicção, caro Sócrates. Além disso, sabes tão bem quanto eu que os homens mais poderosos e mais eminentes num Estado receiam escrever discursos e deixá-los à posteridade: temem que as gerações seguintes os taxem de sofistas.

SÓCRATES: – Tu pareces entender muito pouco das vicissitudes devidas à vaidade; além disso não percebes que os nossos políticos mais orgulhosos são os que mais adoram fazer discursos e deixá-los à posteridade. Quando confiam sua eloquência ao papel, mostram tanta afeição aos seus elogiadores que os mencionam um por um.

FEDRO: – Que queres dizer? Não te entendo.

SÓCRATES: – Será novidade para ti que, nos escritos de um político, vem em primeiro lugar o nome daquele que o elogia?

FEDRO: – Como assim?

SÓCRATES: – Diz, por exemplo: “o conselho decretou” ou “o povo decretou”, e, por vezes, “o conselho e o povo decretaram”. Segue-se o nome de quem falou, e nesta altura o autor fala solenemente de si, louvando-se, ostentando sua sabedoria aos que são do

seu partido, às vezes com grande abundância de palavras. Consideras um livro desse gênero algo diferente de um discurso escrito?

FEDRO: – Por certo que não.

SÓCRATES: – Ora, quando a coisa é aprovada, o autor sai do teatro muito satisfeito, mas quando a proposta é rejeitada falta-lhe pretexto para publicar o seu discurso, e este parece indigno de registro, de modo que tanto ele como seus partidários se entristecem.

FEDRO: – Perfeitamente.

SÓCRATES: – E é claro que se entristecem não porque desprezem esse costume, mas porque o admiram.

FEDRO: – Sim, é claro.

SÓCRATES: – Pensa também nisto: quando um rei é bastante hábil, quando tem o poder de um Licurgo, de um Sólon ou de um Dario para se tornar o imortal autor de discursos políticos, não considera ele a si próprio, em vida, como semelhante a um deus? E os pósteros, lendo-lhe as obras, não têm a mesma opinião a seu respeito?

FEDRO: – Exatamente.

SÓCRATES: – Acreditas que um homem dessa espécie, sendo inimigo de Lísias, o censure simplesmente porque ele escreve discursos?

FEDRO: – Aceitando teu argumento, isso não é provável; tal homem estaria repreendendo a si mesmo.

SÓCRATES: – Ora, é evidente para todos que a ocupação de escrever discursos, em si, não é coisa desonesta.

FEDRO: – Pois claro!

SÓCRATES: – Além disso, que é escrever bem e escrever mal? Meu querido Fedro: deveremos consultar Lísias e outros homens competentes sobre esta questão? Será necessário seu parecer para cada um que escreveu ou escreverá, quer sua atividade literária se relacione à política, quer à vista particular, quer ele escreva ritmicamente como poeta, quer em prosa como qualquer outro?

FEDRO: – Me perguntas se devemos fazer isso? Mas teríamos uma razão para viver se não fosse para esse prazer? É certo que tais prazeres não são de ordem dos que vêm precedidos de uma dor, indispensável ao prazer. Ora, esse é o caráter de todos os prazeres que estão ligados ao corpo, e por isso os chamam de servis.

SÓCRATES: – Creio que ainda temos tempo. Entretanto, parece-me que as cigarras, que no meio do dia costumam cantar e chiar acima de nossas cabeças, estão nos olhando. Se elas nos vissem a esta hora cochilando como homens comuns e sem assunto, como se o cansaço embotasse o nosso pensar, teriam o direito de rir de nós, e considerar-nos-iam como escravos que tivessem vindo visitá-las e procuraram este bonito lugar apenas para dormir à hora da canícula, como as ovelhas junto a uma fonte. Vendo, porém, que conversamos e prosseguimos nossa viagem sem nos deixarmos cativar, pelo seu canto de sereias, talvez se admirem e nos deem, de bom grado, o presente honorífico que receberam como favor dos deuses, a fim de conferi-lo aos homens.

FEDRO: – Elas possuem tal coisa? Não me parece que já tenha ouvido falar nisso.

SÓCRATES: – Para um homem tão amigo das Musas não convém ignorá-lo. Dizem que as cigarras foram homens outrora, homens que viveram antes de terem nascido as Musas. Quando estas vieram ao mundo e tiveram início as canções, alguns daqueles homens deixaram-se cativar de tal modo que, embevecidos nelas, esqueceram-se de comer e de beber, até que morreram sem mesmo se dar conta. Desses homens provém o gênero das cigarras, que recebeu das Musas o honroso privilégio de não precisar de alimento durante sua vida; sendo capazes de cantar, do nascimento à morte, sem comer nem beber. Vão elas ter com as Musas e lhes indicam os homens que aqui na terra lhes prestam culto. A Terpsícore dizem o nome dos que as honram dançando nos coros, e os tornam mais estimados por ela; a Erato apontam os que as exaltam com poesias amorosas, e assim a todas as outras, de acordo com a arte que presidem. À mais velha Musa, porém, a Calíope, e a Urânia, que nasceu depois dela, as cigarras dizem quais são os homens que se dedicam à filosofia e exercem a arte por elas protegida; pois essas duas cantam melodias mais belas do que todas as outras Musas; dirigem seus cantos ao céu e fazem discursos sobre as coisas divinas e sobre as humanas. Por esse motivo, ao meio-dia, temos de conversar sobre o que quisermos, mas nunca dormir.

FEDRO: – Sim, sim, conversemos!