III – Sócrates – Sim, façamos isso mesmo, a começar pela própria divindade que, segundo Filebo, se chama Afrodite, mas cujo verdadeiro nome é Prazer.
Protarco – Certíssimo.
Sócrates – Não é humano, Protarco, o medo que sempre revelo, com respeito aos nomes do Deuses; excede a toda espécie de temor; foi por isso que eu designei Afrodite da maneira mais do seu agrado. Quanto ao prazer, sei muito bem que é vário e múltiplo; e, uma vez que vamos começar por ele, conforme declaramos, compete-nos estudar, desde logo, sua natureza. Quando o ouvimos designar, parece único e muito simples; mas, em verdade, assume as mais variadas formas, que, de certo jeito, são totalmente dissemelhantes entre si. Atende ao seguinte: dizemos que o indivíduo intemperante sente prazer, como afirmamos a mesma coisa do temperante, pelo fato de ser temperante, e também do insensato repleto de opiniões e de esperanças loucas, e do próprio sábio, por ser este o que é, realmente: sábio. Ora, quem afirmasse que são iguais essas duas espécies de prazer, com todo o direito não poderíamos apodá-lo de irracional?
Protarco – Esse prazeres, Sócrates, provêm de coisas opostas; mas em si mesmos não são opostos. Como, no meio de tudo, um prazer não haverá de assemelhar a outro, vale a dizer: a si mesmo?
Sócrates – A esse modo, meu caro, também as cores se parecem, pelo menos como cores; em nada distinguem umas das outras. Mas, todos nós sabemos, não apenas que o preto difere do branco, como é precisamente o seu oposto. O mesmo passa com as figuras que, como gênero, constituem um todo; mas as espécies não somente se opõem umas às outras, como são variáveis ao infinito. Fora fácil apontar muitos exemplos nas mesmas condições. Não confies, pois, num argumento que reduz à unidade tantos opostos. Tenho minhas suspeitas de que haveremos de encontrar prazeres que se opõem entre si.
Protarco – É possível; mas, com isso, em que sairia prejudicada nossa argumentação?
Sócrates – Por designá-los, é o que diremos, a todos por um nome, apenas, quando, em verdade, são dissemelhantes. Com efeito, afirmas que todas as coisas agradáveis são boas. Ora, ninguém contesta que as coisas agradáveis não sejam agradáveis; mas, sendo poucas as boas, de todas dizes que são boas, muito embora, quando premido pelos argumentos, conceda que são dissemelhantes. Que há de comum nas coisas boas e nas más, para dizeres que todo prazer é bom?
Protarco – Que me dizes Sócrates? Acreditas mesmos, que, depois de haver admitido que o prazer é bom, haja quem possa aceitar tua assertiva, de que alguns prazeres são bons e outros são ruins?
Sócrates – Porém hás concordar que muitos são dissemelhantes entre si, e alguns até mesmo opostos.
Protarco – Como prazeres, não.
Sócrates – Assim Protarco, voltamos a incidir no argumento anterior, para dizer não apenas que um prazer não difere do outro, mas que todos são semelhantes. Os argumentos aduzidos até o presente não nos fazem a menor mossa, e passaremos a agir e a argumentar como indivíduos ineptos e de todo inexperiente nesse tipo de argumentação.
Protarco – Que pretendes dizer com isso?
Sócrates – É que, se eu quisesse defender-me à tua maneira, iria a ponto de afirmar que a coisa mais dissemelhante é a que mais se assemelha com as que ela menos se parece, bastando para isso argumentar como fizeste, como o que nos mostraríamos mais inexperientes do que convém, e nossa discussão se evaporaria de todo. Obriguemo-la, pois, a voltar atrás; se retomarmos os mesmos princípios, talvez cheguemos a um acordo.