Filebo 29a-30c — O universo e nós

Sócrates – Chega-te, então, para ver o que se segue ao nosso argumento.

Protarco – Podes falar.

Sócrates – O que entra na composição da natureza de corpos de todos os seres vivos: fogo, e água e ar e também terra, como dizem os que já se viram assaltados por grandes tempestades, reaparece na composição do universo.

Protarco – Imagem muita apropriada, porque nós também sofremos bastante no roteiro da presente discussão.

Sócrates – Ouve agora o que passarei a expor a respeito de cada um dos elementos do que somos compostos.

Protarco – Que será?

Sócrates – Cada elemento existente em nós é pequeno e de ruim qualidade, além de não ser puro de maneira nenhuma nem dotado de qualquer poder digno de sua natureza. Se examinares um que seja, podes concluir que os demais são do mesmo jeito. Por exemplo: assim como há fogo em nós, também há no universo.

Protarco – Sem dúvida.

Sócrates – E não é verdade que o fogo existente em nós é pequeno e fraco e de ruim qualidade, e o do universo é admirável pela qualidade e beleza e pela força que lhe é própria?

Protarco – Só dizes a verdade.

Sócrates – E agora? Porventura o fogo do universo se forma e se alimenta do fogo que há em nós? Ou será precisamente o contrário disso: o que há em mim e em ti e em todos os seres vivos é que recebe daquele tudo o que tem?

Protarco – Essa pergunta nem merece resposta.

Sócrates – Sem dúvida; como penso que dirás a mesma coisa a respeito da terra cá de baixo, de que são compostos os animais e da que há no universo, e também dos outros elementos a que me referi há pouquinho. Não darias idêntica resposta?

Protarco – Como seria considerado são do espírito quem respondesse de outro modo?

Sócrates – Ninguém, evidente. Presta agora atenção ao que segue. Tudo o que enumeramos, sempre que vemos reunido num todo único, não lhe damos a denominação de corpo?

Protarco – Como não?

Sócrates – Aceita a mesma conclusão para o que chamamos universo; é um corpo da mesma espécie do nosso, porque formado dos mesmo elementos.

Protarco – Certíssimo.

Sócrates – E agora: é desse corpo universal que o nosso se alimenta, ou é do nosso que o universo tira o de que necessita e recebe e conserva tudo o que há pouco mencionamos?

Protarco – É outra pergunta, Sócrates, que nem valia a pena formular.

Sócrates – E a seguinte, valerá? Ou como te parece?

Protarco – Podes enunciá-la.

Sócrates – Afirmaremos que nosso corpo é dotado de alma?

Protarco – É o que dizemos, sem dúvida.

Sócrates – E de onde, Protarco, a receberia, se o corpo do universo não fosse animado e não possuísse os mesmo elementos que o nosso, e, a todas as luzes, ainda mais belos?

Protarco – É evidente, Sócrates, que terá de ser dali mesmo.

Sócrates – Pois não podemos acreditar, Protarco, que desses quatro gêneros: o finito, o infinito, o misto e o gênero da causa, que, como quarto, se encontra em todas as coisas, essa causa que fornece uma alma a nosso corpo, dirige os exercícios físicos e cura os corpos quando estes adoecem, e forma mil outras combinações e as repara, seja, por isso, denominada sabedoria total multiforme, e que no conjunto do céu, onde tudo isso se encontra em maior escala e sob forma mais bela e pura, não se tenha realizado a natureza mais bela e de maior preço.

Protarco – É o que não se pode nem pensar.