Filebo 59d-66d — O Soberano Bem

Sócrates – Muito bem Quanto à mistura de sabedoria e de prazer que teremos de aprontar, se alguém nos comparar a artesãos com seu material de trabalho para imediata utilização, não seria acertado paralelo?

Protarco – Muito?

Sócrates – E agora, não será conveniente tentar essa mistura?

Protarco – Como não?

Sócrates – Antes disso, o melhor seria enunciar e relembrar certa particularidade.

Protarco – Qual?

Sócrates – Já tratamos desse ponto, mas é muito verdadeiro o provérbio que nos aconselha repetir duas ou três vezes o que nos aconselha repetir duas ou três vezes o que nos parece bem.

Protarco – Sem dúvida.

Sócrates – Então, prossigamos, por Zeus! Estou em que foi deste modo que nos exprimimos antes.

Protarco – Como assim?

Sócrates – Filebo sustenta que o prazer é a verdadeira meta para a qual devem esforçar-se todos os seres vivos, o bem supremo de todos, enquanto existirem, e que, a rigor, esses dois nomes, bom e agradável, se aplicam a uma só coisa da mesma natureza. Por sua vez, Sócrates nega que seja uma só coisa; tratando-se de nomes diferentes, o bom e o agradável se distinguem um do outro pela própria natureza, e que na constituição do bem a sabedoria contribui com maior contigente do que o prazer. Não foi isso mesmo, Protarco, que dissemos agora e antes?

Protarco – Exato.

Sócrates – E acerca do seguinte ponto, tanto antes como agora não nos declaramos de acordo?

Protarco – Que ponto?

Sócrates – Que nisto a natureza do bem difere de tudo o mais.

Protarco – Em quê?

Sócrates – O ser vivo que sempre possuísse em toda a parte e de todas as maneiras, de nada mais precisaria, e que o bem lhe seria suficiente para tudo. Não foi isso mesmo?

Protarco – Exato.

Sócrates – E já não tentamos antes, em nossa exposição, separar um do outro e colocá-los na vida dos indivíduos o prazer sem mistura de sabedoria, e a sabedoria, por sua vez, sem a menor partícula de prazer?

Protarco – Isso mesmo.

Sócrates – E porventura concluímos que cada um, de per si, nos satisfaz plenamente?

Protarco – Como fora possível?

XXXVII – Sócrates – Se nos desviamos algum tanto da verdade, quem quiser poderá reexaminar agora o assunto para corrigir o que estiver errado, reunindo numa só classe a memória, a sabedoria, o conhecimento e a opinião verdadeira, para decidir se alguém, privado de tudo isso, desejaria ter ou adquirir seja o que for, ainda que se tratasse do maior e mais intenso prazer, se não formasse opinião verdadeira de sua alegria naquele momento, nem tivesse o menor resquício de consciência do que sentia a cada instante, nem a mais tênue lembrança, ainda que passageira, do que lhe acontecera. Faça idênticas considerações a respeito da sabedoria e se pergunte se alguém desejaria possuí-la sem a menor dose de prazer ,ou, de preferência, com uns tantos prazeres de mistura, e também todos os prazeres sem sabedoria, em vez de um certo grau de sabedoria.

Protarco – Não há quem o desejasse, Sócrates; parece inútil insistir em tal pergunta.