epimeleia

FOUCAULT, Michel. A Hermenêutica do Sujeito. Curso dado no Collège de France (1981-1982). Tr. Márcio Alves da Fonseca & Salma Tannus Muchail. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 11-12

O cuidado de si (epimeleia heautou) é uma espécie de aguilhão que deve ser implantado na carne dos homens, cravado na sua existência, e constitui um princípio de agitação, um princípio de movimento, um princípio de permanente inquietude no curso da existência. Creio, pois, que esta questão da epimeleia heautou deve ser um tanto distinguida do gnothi seauton, cujo prestígio fez recuar um pouco sua importância. Em um texto que logo adiante tentarei explicar com mais precisão (o famoso texto do Alcibíades em sua última parte), veremos como a epimeleia heautou (o cuidado de si) é realmente o quadro, o solo, o fundamento a partir do qual se justifica o imperativo do “conhece-te a ti mesmo”. Portanto, importância da noção de epimeleia heautou no personagem de Sócrates, ao qual, entretanto, ordinariamente assoda-se, de maneira senão exclusiva pelo menos privilegiada, o gnothi seauton. Sócrates é o homem do cuidado de si e assim permanecerá. E, como veremos, em uma série de textos tardios (nos estoicos, nos cínicos, em Epicteto principalmente1 Sócrates é sempre, essencial e fundamentalmente, aquele que interpelava os jovens na rua e lhes dizia: “É preciso que cuideis de vós mesmos.”

(…) parece-me que a noção de epimeleia heautou acompanhou, enquadrou, fundou a necessidade de conhecer-se a si mesmo não apenas no momento de seu surgimento no pensamento, na existência, no personagem de Sócrates. Parece-me que a epimeleia heautou (o cuidado de si e a regra que lhe era associada) não cessou de constituir um princípio fundamental para caracterizar a atitude filosófica ao longo de quase toda a cultura grega, helenística e romana. Noção importante, sem dúvida, em Platão. Importante nos epicuristas, uma vez que em Epicuro encontramos a fórmula que será tão frequentemente repetida: todo homem, noite e dia, e ao longo de toda a sua vida, deve ocupar-se com a própria alma2)).


  1. “Conseguia Sócrates persuadir a todos os que dele se aproximavam a se ocuparem consigo mesmos (epimelesthai heauton)?” (Entretiens, III, 1,19, p. 8). 

  2. Encontra-se na Lettre à Ménécée. Mais exatamente, diz o texto: “Para ninguém é demasiado cedo nem demasiado tarde para assegurar a saúde da alma (…). De modo que devem filosofar tanto o jovem quanto o velho” (Épicure, Lettres et maximes, trad. M. Conche, Villers-sur-Mer, Éd. De Mégare, 1977 (mais adiante: referência a esta edição), parágrafo 122, p. 217); citação retomada por Foucault em Histoire de la sexualité, t. III: Le Souci de soi, Raris, Gallimard, 1984 (mais adiante: referência a esta edição), p. 60. (História da sexualidade, t. III, O cuidado de si. Trad. bras. de Maria Thereza da Costa Albuquerque, revisão técnica de José Augusto Guilhon Albuquerque, Rio de Janeiro, Graal, 1985, p. 51. (N. dos T. 

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