Pletão (Gandillac)

Excertos de «Gênese da Modernidade», de Maurice de Gandillac

Nascido em Constantinopia por volta de 1360 e dotado de uma tal longevidade que permitiu que perdesse, por apenas dois anos, a possibilidade de ver sua pátria sucumbir aos golpes do exército otomano, Gemisto era iniciado em Cabala e conhecia os Oráculos caldaicos, erroneamente atribuídos a Zoroastro. Juiz imperial em Mistra, na fortaleza erguida perto de Esparta pelos cruzados, é seguramente aos “platônicos” que ele associa sua “restauração” helênica e, nesse sentido, Ficino é, efetivamente, de sua linhagem, mas é necessário precisar que a seus olhos o filósofo das Leis (título que Pletão retém para sua própria “Suma” neopagã) só faz prolongar uma tradição muito antiga, a de um veio de sabedoria mais ou menos secreto, vindo do Oriente, e que teria sido comunicado a uma elite de judeus e de gregos.

Acreditando, como os estoicos, na universalidade de “noções comuns” que todo homem sensato deve reconhecer, contanto que tape os ouvidos às “inovações de alguns sofistas modernos” (“sofista”, na linguagem codificada da época, significa, em geral, “escolástico”, isto é, defensor de uma teologia estrita, fechada ao legado antigo – e é bem significativo que o termo aqui esteja ligado a “moderno”, qualificativo então aplicado sobretudo aos aristotélicos nominalistas, tão fortemente hostis ao idealismo platônico), Pletão e seus amigos de Mistra desejavam quase abertamente a ressurreição, ou o despertar, mas de qualquer modo a reabilitação, de uma espécie de politeísmo, sem dúvida depurado das “ficções poéticas” que a República denunciava em Homero e em Hesíodo, mas raramente dando lugar, apesar das indispensáveis prudências linguísticas, às “visões proféticas” das religiões reveladas. Em seu opúsculo acerca das Diferenças entre Aristóteles e Platão, escrito para esclarecer os latinos, o autor das novas Leis (do qual leem-se apenas os fragmentos, tendo a obra sido queimada pelo patriarca Genádio) reconhece a primazia – se não a plena transcendência – do “Uno”, definido à maneira neopla-tônica como “sobre-essencial”. Mas, antes, insiste no modo intermediário das “Ideias”, às quais parece atribuir um estatuto de autênticas “criadoras”, no quadro, entretanto, de uma “ordem” cósmica em que tudo tem seu lugar desde sempre, incluindo-se aí os “deuses do Tártaro, filhos ilegítimos de Zeus”, encarregados de administrar os reinos vegetal e animal, onde o conjunto dos seres formaram uma cadeia contínua, o Sol e o Homem desempenhando os papéis de mediadores privilegiados. Retornando à sua pátria após o concilio, Pletão devia – muito simbolicamente – voltar para sempre para a Itália, pois o condottiere Malatesta, tomando dos turcos seus restos mortais, interessa-se em transferi-los para Rimini, õnde repousam ainda no sarcófago que foi instalado, não sem motivo, no lado de fora da catedral.

Há aí, sem dúvida, uma série de “signos” que fazem de Pletão o inspirador e, de um certo modo, o patrono do Renascimento florentino, aquele de Ficino e de Pico. Como o mestre de Mistra, às vezes tão inquietantes quanto ele, os protegidos dos Médicis – em torno de uma “Academia” solenemente instaurada, na qual diante do busto de Platão ardia, diz-se, uma chama eterna – pretendem não apenas restaurar essa “elegância ática”, louvada na inscrição funerária em honra de Ficino, mas, mais essencialmente, “fazer renascer o dogma platônico”. Este é, efetivamente, para Cosme, o elemento fundamental dessa palingenesia da antiga Hélade tal como a define Agnolo Poliziano, que elogia Marsilio por seu êxito na tarefa na qual o grande Orfeu falhara: trazer dos Infernos uma “Eurídice”, cujo nome significa, etimologicamente, mais do que beleza plástica, “amplo julgamento”.

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