Cálicles — Vou perguntar. Se Górgias fosse profissional da arte que seu irmão Heródico exerce, por que nome certo o designaríamos? O mesmo que damos àquele, não é verdade?
Polo — Perfeitamente
Cálicles — Se disséssemos, portanto que ele era médico, ter-nos-íamos expressado com correção.
Polo — Sim.
Cálicles — E caso ele fosse perito na arte de Aristofonte, filho de Aglaofonte, de que modo lhe chamaríamos com acerto?
Polo — Pintor, evidentemente.
Cálicles — E agora, de que arte ele entende e por que nome certo devemos denominálo?
Polo — Querefonte, no mundo há muitas artes experimentais que a experiência descobriu. A experiência faz que nossa vida seja dirigida de acordo com a arte, e a inexperiência a entrega ao acaso. Uns são proficientes numas; outros, noutras; cada um a seu modo; os melhores o são nas melhores. Górgias é um destes e participa da mais nobre das artes.
Sócrates — Górgias, parece que Polo tem muita prática de falar; porém não cumpre o que prometeu a Querefonte.
Górgias — Como assim, Sócrates?
Sócrates — O que digo é que ele não responde exatamente ao que lhe é perguntado.
Górgias — Então, se quiseres, tu mesmo podes interrogá-lo.
Sócrates — Não; porém, se não te aborreceres de responder, com a maior satisfação te dirigirei as perguntas. Do que Polo falou, tornou-se-me evidente que ele se tem dedicado mais à arte denominada retórica do que à da conversação.
Polo — Como assim, Sócrates?
Sócrates — Porque, Polo, te havendo perguntado Querefonte em que arte Górgias é experiente, elogias a sua arte como se alguém a tivesse diminuído, porém não declaraste qual ela seja.
Polo — Não respondi que é a mais bela?
Sócrates — Respondeste; mas ninguém te interpelou sobre o valor da arte de Górgias, porém qual seja ela e que nome, por isso, devemos dar a Górgias. Assim como respondeste antes a Querefonte, com clareza e concisão quando ele se dirigiu a ti, declara-nos agora qual é a arte de Górgias e que nome devemos dar a este.